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domingo, 6 de maio de 2012

Quadrinhos: O Eternauta

Uma das coisas boas da globalização (entre tantas outras) é conhecer melhor a cultura de outros países.
       
É a essência da expressão “aldeia global”, criada há pouco mais de 40 anos, que explica como países distantes vão ficar cada vez mais próximos e se mesclar em busca de identidade.
  
Por conta disso é de se estranhar o porquê de só agora começar a chegar ao grande público brasileiro, vinda de um país próximo como Argentina, uma História em Quadrinhos da qualidade de O Eternauta (El Eternauta, 360 págs.), que demorou mais de 50 anos para aportar por aqui.
    
Editada pela Martins Fontes e prefaciada pelo professor, jornalista e quadrinista brasileiro Paulo Ramos, a HQ, roteirizada por Héctor Germán Oesterheld (1919-1977) e desenhada por Francisco Solano Lopez (1928-2011) apresenta um personagem que, junto com a esperta e ideológica Mafalda (das tiras do quadrinista Quino), é o mais famoso e iconográfico da Argentina.
    
É a história do viajante do tempo Juan Salvo, que aparece de surpresa na casa de um assustado roteirista de quadrinhos e conta como ficou “ilhado” em casa junto com sua esposa, filha e um grupo de amigos, numa corriqueira noite de jogo de truco, vítimas de uma estranha nevasca que mata ao menor contato com a pele.
                                            
Tem início então uma verdadeira odisseia de sobrevivência do grupo com direito a guerrilhas, fugas desesperadas, homens-robô zumbis, armas estranhas, gigantescos monstros de quatro patas e alienígenas que podem escravizar ou acabar com a Terra.
                         
A trama surgiu quando Héctor Oesterheld decidiu fundar sua própria revista semanal e levou consigo vários colaboradores, entre eles Lopez, que em 1957 recebeu a proposta de desenhar a HQ.
                               
Segundo Paulo Ramos, Solano diz a Oesterheld que gostaria de desenhar uma ficção científica realista e contemporânea com personagens de fácil identificação com o leitor.
Foi então que Hector surgiu com essa história que, segundo ele, começou baseada num de seus romances de aventura preferidos quando criança, Robinson Crusoé (do autor inglês Daniel Defoe), e depois acabou se tornando algo que ele mesmo não esperava.
 
Publicada durante dois anos num formato semanal, com tiras horizontais de 8 a 12 quadros por página, O Eternauta é uma perfeita ficção científica de vanguarda bebendo nas fontes de Edgar Rice Burroughs (Conan, A Princesa de Marte) e H.G.Wells (Homem Invísivel, A máquina do Tempo, Guerra dos mundos), prestando grande homenagem ao segundo por conta da invasão alienígena.
 
Os desenhos de Solano Lopez são realistas na medida certa, evocando um estilo de época e traduzindo com perfeição alguns pontos turísticos da cidade de Buenos Aires como o estádio do River Plate

Francisco Solano Lopez em 2010
Seu talento para desenhar fisionomias e expressões humanas é invejável, mesmo com tantos personagens que passam pela narrativa, são todos facilmente identificáveis.
  
Oesterheld consegue a façanha de criar personagens humanos de personalidades bem definidas, os jogando constantemente em situações dramáticas e emocionantes numa trama que se torna difícil de largar. 

Oesterheld
O formato semanal exige uma tensão constante com muitas reviravoltas, colocadas justamente pra prender o leitor, que poderiam se tornar cansativas, mas acabam te deixando mais interessado no destino dos personagens, o que é a tradução do imenso talento do escritor.
  
É uma pena que Oesterheld (que entre outros também escreveu uma biografia em quadrinhos de Che Guevara resenhada aqui), foi vítima da ditadura Argentina e tenha sido dado como desaparecido em 1977 por conta de suas idéias de esquerda.

Fato que também se repetiu com suas quatro filhas adultas e aproximadamente 30 mil pessoas enquanto os militares ficaram no poder.
 
Tudo que sobrou do autor foram suas obras nas HQs, sua esposa e um dos netos, para contarem sua história.

Lamentável, não só pela sua contribuição a arte latina e mundial, mas pelo fato de ali se encontrar um ser humano.
 
Talvez motivada pelo mistério em torno do desaparecimento do autor, a história fez tanto sucesso que hoje, depois de várias republicações, tornou o personagem um símbolo da resistência Argentina ante a qualquer tipo de crise, sendo inclusive lembrado recentemente em diversas pixações feitas nos muros de Buenos Aires durante a crise econômica e no governo Kischner.
 
A trama ainda apresentou continuações (muitas não-oficiais), mas pelo menos uma delas, feita pelos autores originais antes da morte de Oesterheld, poderia aparecer por aqui no encalço dessa obra.

Uma ficção científica inteiramente produzida no nosso país hermano, que estreita nossas fronteiras quadrinistícas e que, mesmo passada há 50 anos atrás, está pronta para entrar para a História por não dever nada aos grandes autores do gênero.
 
Recomendado.
 
Valeu!

sábado, 5 de maio de 2012

Filme: Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios

O problema de "cair no mundo" é que as feridas podem nunca cicatrizar satisfatoriamente.

É uma das conclusões tiradas ao assistir o filme Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios (2012).

Filme dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, baseado em um livro de Marçal Aquino, roteirizado pelos diretores com a ajuda do próprio autor.

Cauby (Gustavo Machado) é um fotógrafo que chega a uma cidade ribeirinha do Pará e acaba se envolvendo sexualmente com Lavínia (Camila Pitanga), mulher do pastor evangélico idealista Ernani (Zé Carlos Machado).

O problema é que esse simples envolvimento acaba se tornando algo mais forte e o relacionamento acaba atingindo a vida dos três personagens de forma implacável.

Todo artista tem sua musa.

Elas são consideradas a fonte de inspiração de toda obra de arte.

É desde os tempos antigos que se fala na figura delas. Enquanto na Grécia elas eram filhas de deuses, nos tempos atuais podem assumir a figura de qualquer coisa (ou pessoa) que inspire.

É isso que define, a princípio, o relacionamento de Cauby e Lavínia.

O jeito como ele exibe pra si mesmo as fotos dela em seu casebre, endeusando uma figura com um passado misterioso (o qual descobrimos depois de um tempo de filme), estabelece o tom de dependência-obsessão-amor entre a musa e o artista.

Com atuações elogiosas de Gustavo Machado, como o fotógrafo, e de Zé Carlos Machado, como o pastor, o destaque do filme vai mesmo para Camila Pitanga, cuja composição perfeita transita entre calma e loucura com ótima desenvoltura. Sempre expressiva, sempre confiável. 

É notável, por exemplo, seu trabalho corporal ao assumir em cena do clímax os mesmo trejeitos que tinha quando foi mostrado seu passado numa bela desconstrução da “salvação” obtida anteriormente.
  
Vale também uma menção honrosa ao ator cearense Gero Camilo.
Ótimo como o colunista de fofocas Viktor Laurence, um homossexual no limite da afetação que passa longe de um estereótipo caricatural.

Ponto positivo para o ótimo trabalho de ambientação do filme, cuja fotografia abusa de tons solares, claros e bem definidos como que se quisesse que a musa inspirasse o próprio espectador. Isso se deve, é claro, ao fato do filme destacar a perspectiva do próprio Cauby, que acompanhamos boa parte do filme.

Outro dos prós (que também pode ser um contra para algumas pessoas) são as várias cenas de sexo filmadas de forma naturalista, bem no limite da realidade, inclusive com a nudez total da própria atriz, num ótimo exemplo de entrega ao papel.
Os autores aproveitam o filme para fazer uma espécie de panfletagem pró-indígena abusando de cenas que mostram o dia-a-dia dessas comunidades nas cidades modernas (uma realidade paraense) com várias tomadas aéreas de madeireiras que devastam a região amazônica. 

É claro que isso é feito de forma sutil e orgânica, válida como um gancho para explicar o destino final de um dos personagens, mas bem discernível ao espectador, mesmo não ocupando muito tempo de tela.

Um filme sobre o amor e sobre a obsessão.

Sobre como eles nos destroem e nos constroem novamente em igual proporção. 

Tudo isso mostrado através das relações de Lavínia, incapaz de tomar uma decisão, já que depende de seus dois amantes por motivos totalmente opostos.

E como essa incapacidade de decidir pode acabar sendo atropelada pela urgência da vida.

Recomendado.

Valeu!
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