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domingo, 28 de agosto de 2011

Desenho: Bob´s Burguers

Ao contrário do que se pode pensar isso não é um comercial de uma franquia de lanchonetes. É apenas um sopro de frescor e originalidade nas comédias de animação adultas da atualidade.

É assim que é Bob´s Burguers, nova série que estreou em janeiro de 2011 na FOX americana e só chegou agora em agosto aqui no Brasil pelo canal a cabo FX.

Bob é o cozinheiro, administrador e único dono de uma lanchonete fast-food numa cidade costeira americana. Seus únicos empregados são os filhos e sua esposa. Amante do seu próprio trabalho, Bob passa os dias lidando com o espírito inovador da esposa Linda (que sempre lhe tiram de sua zona de conforto), com a descoberta da sexualidade da filha mais velha Tina (que não tem o menor traquejo social), com a empolgação cega e inusitado talento musical de Gene (que lhe rendem vários apuros) e com a inteligência precoce da caçula Louise (que adora ver o circo pegar fogo).

A série foi criada e é produzida por Loren Bouchard, que foi responsável pela animação Filmes Caseiros (1999-2004) do extinto Adult Swim do Cartoon Network e também foi consultor do The Rick Gervais Show (2010), e declarou ter tido a idéia para a série ao imaginar uma família num local de trabalho.

Pertencendo ao gênero de comédia sobre famílias disfuncionais, sucesso em animações como Os Simpsons e Uma Família da Pesada, Bob´s Burguer se diferencia delas por conseguir fazer comédia escrachada e (quase) politicamente incorreta, mas com consistência narrativa.

Isso quer dizer que a trama de cada episódio não pára pra mostrar piadas que não nada a ver com a história como em muitas das animações atuais. A comédia aqui (como toda boa comédia quase sempre imprevisível) é integrada a trama, ou seja, as situações absurdas são sempre explicadas (de uma forma ou de outra) em cada episódio.

Por exemplo, no episódio em que Bob sobe no forro do telhado pra consertar as goteiras, acaba descobrindo que as paredes tem fundo falso e prefere fingir que ficou preso lá ao descobrir que os sogros vem passar uns dias em sua casa.
Isso gera situações engraçadíssimas para o personagem, que passeia pela casa escondido por trás das paredes (e em certo ponto começa a ficar doido), e para seus filhos, que na ausência do pai, aprontam na escola (cada um com seu motivo) e acabam recebendo em casa uma visita do orientador escolar.

Outro episódio legal é quando a cidade promove uma semana de exposição de arte nas ruas e lojas e a esposa de Bob, Linda, convida sua irmã pra expor suas novas telas no restaurante.
O problema é que as todas as pinturas (sem exceção) retratam animais expondo uma parte de sua anatomia que não combina nada com um restaurante.
Prato cheio pros autores discutirem a essência da arte (e da censura) e que também acaba servindo pra discutir o que forma uma verdadeira família.

Sobra até pro Brasil num episódio em que um dos filhos resolve fazer aula de capoeira e Bob tem um desentendimento com o professor.

A série também surpreende por apresentar um bom desenvolvimento e evolução de personagens, em especial os filhos de Bob.

Tina, que nos primeiros episódios é uma pré-adolescente apática e sem personalidade, vai se transformando numa adolescente típica ao poucos, tendo sonhos sensuais com zumbis, enfrentando crises de desespero por (quase) nada e desenvolvendo uma forma bem peculiar (e engraçada) de interagir com o sexo oposto.

Gene, o filho do meio com seu teclado inseparável, acaba revelando ter até um certo talento pra música, mesmo que isso envolva sons nada convencionais.

Mas o destaque vai mesmo pra caçula Louise, com seu chapéu em formato de orelha de coelho (que não tira nem pra tomar banho), sua imaginação fértil e seu dom de manipular os irmãos e todos aqueles que acha que são menos inteligentes do que ela. Num dos episódios finais ela acaba revelando seu desejo nada normal de se tornar uma super-vilã daqui há alguns anos.

E mesmo os filhos quase sempre estragando os planos de Bob pra ter sucesso com o restaurante, as histórias fazem questão de destacar a unidade familiar, frisando o amor dele para com as crianças e também toda a consideração e obediência dos filhos a ele, tornando a série mais normal e verossímil que outras.

Essa primeira temporada da série teve 13 episódios e já foi renovada para a segunda. Espero que tenha a mesma qualidade.


Uma animação nova sobre uma família que administra um restaurante que surpreende por fazer rir com humor (quase) incorreto integrado organicamente a narrativa, abordando temas relevantes de convívio familiar entre pais e filhos semi-adolescentes.

Me fez rir bem mais que os novos episódios dos Simpsons e Uma Família da Pesada.

Recomendado.

Valeu!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Filme: Professora Sem Classe

Esqueça tudo que você sabe sobre filmes de professores no cinema.

Em Professora Sem Classe (Bad Teacher, 2011) novo filme do diretor Jake Kasdan o que impera é o politicamente INcorreto de uma professora que não quer salvar ninguém além de si mesma.

Elizabeth Halsey (Cameron Diaz) é uma professora que está prestes a largar o emprego e casar com um rico descendente. Até o dia em o noivo lhe dá um pé na bunda e ela volta, com muita má vontade, a trabalhar na escola pra poder ao menos pagar as contas. 

É quando aparece o professor substituto Scott Delacorte (Justin Timberlake) e ela decide colocar silicone pra poder atrair o moço, que vem de uma rica família. O problema é que seu salário não paga a operação, e ela começa a aplicar uma série de golpes na escola (e fora dela) pra juntar o dinheiro para a tão sonhada operação.

Escrito por Gene Stupnitsky e Lee Eisenberg, dupla responsável por vários episódios da série de TV The Office, o filme é recheado de palavrões, situações escrachadas e surpreende por não dar quase nenhuma chance a estrutura de comédias certinhas, sejam elas românticas ou besteiróis.

Por exemplo, quando você acha que a trama vai virar um drama escolar, com a revelação de perda do pai por parte de um dos alunos, Elizabeth simplesmente dá um conselho nada maternal, porém bastante sincero ao garoto, subvertendo todas as expectativas, tanto dos espectadores quanto dos personagens que a rodeiam.

É nesse ritmo de surpresa e subversão de gênero narrativo que o filme encanta. É claro que nem tudo será incorreto e mesmo Elizabeth aprende uma lição ao final do filme. Só não espere que isso ocorra logo e nem mesmo que ela fique muito feliz com isso. 

Quem é fã de comédias certinhas e corretas, com final triste e dramático pode não sair muito feliz do filme em si.

Elizabeth é uma personagem boca-suja e oportunista que não ta nem aí pros alunos e muito menos pros colegas de trabalho. Ela encarna todos os clichês de maus professores que já se ouviram por aí. 

Só começa a ensinar mesmo quando é informada do prêmio em dinheiro pago ao professor da turma que tirar a maior nota em exames estaduais. E, mesmo assim, com métodos de ensino pouco recomendáveis.

Cameron Diaz encarna o papel perfeitamente e seu carisma é absolutamente inegável. Mesmo a personagem sendo escrota e incorreta durante quase todo o filme fica difícil torcer contra ela. O que ela evoca no público é uma espécie de amor-bandido que nos faz sorrir a cada vez que se livra de uma situação difícil ou inventa um meio nada convencional pra atingir um fim.

As seqüências em que dirige o carro de marcha-ré e a sua quase transa com o personagem de Justin Timberlake estão entre suas melhores seqüências no filme.

O professor certinho é encarnado com talento por Justin, que não decepciona num papel escrito propositalmente com pouca personalidade.

Destaque positivo para Jason Segel (como o sacana professor de educação física), Phyllis Smith (como uma professora extremamente tímida) e Lucy Punch, cujo personagem tem boas seqüências como a neurótica rival de Elizabeth.

Até mesmo algumas seqüências que já são clichês como a da lavagem de carros são bem executadas pelo diretor.

Que também abusou de Rocks pesados na trilha sonora, o que poderia remeter diretamente ao filme Escola de Rock (com Jack Black), que é bem mais certinho e convencional na estrutura de transformação do personagem.

Uma comédia nada correta que subverte os padrões do gênero de “filme escolar” de forma não recomendada pra menores e se for apreciada sem preconceito e moderação por parte do espectador, poderá render boas risadas.

Recomendado.

Valeu!

Filme: Lanterna Verde

Um show de personagens mal-aproveitados, conflitos superficiais e situações explicadas de forma simplista, quase que subestimando a inteligência do espectador.

É como pode ser definido Lanterna Verde (Green Lantern, 2011) a aposta da Warner Bros e da DC Comics para tentar alçar um personagem que já foi secundário na HQs (mas que nos últimos anos tem uma base de fãs crescente) ao status de sucesso em outras mídias (a exemplo do que a Marvel fez com o Homem-de-Ferro).

Há milhões de anos uma raça de alienígenas imortais forjaram anéis que manipulam energia da força de vontade e escolheram seres de diferentes partes do universo para usá-los e proteger os inocentes. 

Hal Jordan (Ryan Reynolds) é um piloto de teste talentoso, mas bastante irresponsável, que é escolhido para substituir o alienígena Abin Sur (Temuera Morrison) em sua missão na proteção do setor espacial 2814 (no qual a Terra está incluída). 

Uma vez usando o anel ele conhecerá seus colegas lanternas, enfrentará o cientista Hector Hammond (Peter Sarsgaard) e acabará por confrontar o responsável pela morte de seu predecessor.

O roteiro sem dúvida é o maior problema do filme. Escrito por quatro pessoas (o que quase sempre é um mau sinal) surpreende por prometer muito e cumprir bem pouco, preferindo ficar num nível superficial.

O que não aconteceria se desenvolvessem melhor algumas situações como o passado de Hal (que tem pouquíssimas cenas com o pai) e seus conflitos familiares (cujos irmãos aparecem numa cena até boa só pra serem esquecidos depois). 

Até mesmo o passado e motivação da Dra. Amanda Waller (Angela Basset), explicado num flashback, fará sentido pra quem conhece a personagem dos quadrinhos, mas que não acrescenta nada a trama do filme.

O roteiro abusa de diálogos expositivos (um recurso estilístico não-recomendável) para explicar muitas situações e ainda emprega o uso de narração em seu início, que some de repente pra só voltar no final, com a clara intenção de mostrar que alguém contava a história. O problema é que nunca saberemos quem contava e pra quem era contado.

Há também um excesso de situações que se resolvem de surpresa (num ótimo emprego de deus ex-machina), sem nenhum pouco de sutileza por parte do roteiro. 

A explicação que Sinestro (Mark Strong), por exemplo, usa pra convencer os Guardiões a criarem um anel amarelo energizado pelo medo (que eles combatem há milhões de anos) é totalmente simplista e inverossímil se considerarmos que a raça tem milhões de anos de existência (e deveria compartilhar o equivalente em sabedoria). Uma criança de 5 anos acreditaria nele. Uma de 6, já não dá pra garantir.

A aparição de Hal em situações-chave de confronto do filme (como a revolta de Hammond após ser preso pelo exército e o já citado diálogo entre Sinestro e os Guardiões) também é gratuita e nada explicada, num claro descaso com os espectadores.

Ryan Reynolds apresenta grande carisma e algum conflito como personagem, mas sua incapacidade de esboçar mais que três expressões (e também seu topete impecável) não empolgam em nenhum momento.

O único personagem bem desenvolvido é Hector Hammond, e o ator Peter Sarsgaard se mostra bastante a vontade com o personagem. Só é uma pena que ele perca a vez pro insosso vilão Parallax, cuja motivação não é explicada (ou foi tão mal explicada que eu esqueci).

O design de produção está de parabéns na criação do planeta Oa, dos alienígenas e dos uniformes em CGI, mas a lanterna que abastece o anel ficou bem descaracterizada em relação aos quadrinhos.

Ponto negativo para o trabalho de edição que em determinados momentos parecem fazer o possível pra sabotar o filme. Como na cena da primeira viagem de Hal ao planeta Oa, que é interrompida a todo momento pra vermos partes da primeira transformação de Hector Hammond. Dava pra passar as duas cenas inteiras alternadamente sem prejudicar a história.

A trilha sonora ainda tenta evocar alguma emoção, mas na primeira aparição de Hal ao público, quando soam alguns acordes da trilha clássica de Superman - o filme de 1978 no vôo de partida do personagem, fica parecendo uma muleta emocional gratuita de muito mau-gosto.

O diretor Martin Campbell (que tem dois 007 e os dois Zorros no currículo) se mostra competente apenas nas cenas de ação, demonstrando muita má vontade pela falta de tato e coordenação com todo o resto já citado.

Em relação a semelhança com as HQs, a impressão que se tem é de que foram lidos quadrinhos de várias épocas do personagem e tentaram incluir muitas referências no filme, mas não conseguiram integrar uma ligação orgânica que dê sentido a muitos delas.

A inclusão de Amanda Waller (mesmo que totalmente descaracterizada) no filme dá a entender que poderá haver uma integração entre personagens da DC no cinema (como a Marvel está fazendo), mas é algo difícil de imaginar depois dessa bomba.

Não dá nem pra acreditar que Geoff Johns, o roteirista que atualizou grande parte da mitologia dos Lanternas nos quadrinhos para o século XXI (e hoje é editor de todo universo de super-heróis da DC), foi consultor criativo do filme. O que o dinheiro não faz, né?

Me senti como se estivesse assistindo hoje um episódio do desenho dos Superamigos do início dos anos 80. Quem consegue apreciar aquele desenho hoje em dia por algo além do saudosismo da época poderá até gostar do filme. 

O problema é que com tanta coisa boa que veio depois fica difícil baixar a barra de qualidade.

Um filme que não empolga, encabeçado por um ator canastrão liderado por um diretor preguiçoso num roteiro superficial é o que esperar desse filme.

Valeu!

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Filme: Capitão América - O Primeiro Vingador

Melhor do que Thor, mas ainda um nível abaixo de Homem-de-Ferro

É como comparo Capitão América – O primeiro vingador ( Captain América- The First Avenger, 2011) com outros filmes da Marvel Studios. Dirigido por Joe Johnston, que já foi responsável por bons filmes como Rocketeer, Jumanji, Mar de Fogo e Lobisomem, entre outros.

Steve Rogers (Chris Evans) é um jovem franzino órfão de pai soldado e mãe enfermeira que, mesmo com ideais nobres, já foi rejeitado quatro vezes no alistamento para lutar na 2ª.Guerra Mundial em 1942.
Na sua quinta tentativa o jovem é escolhido pelo Dr. Abraham Erskine (Stanley Tucci) para ingressar no exército e participar de um experimento que o transformará no Capitão América, um supersoldado criado para fazer frente ao Caveira Vermelha (Hugo Weaving), o fracassado supersoldado alemão que hoje é chefe da divisão científica do exército nazista, também conhecida como Hydra.

O roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely (dupla responsável por adaptar As Crônicas de Nárnia) cumpre o papel de contar um história bem redonda, equilibrando passagens cômicas, dramáticas e de ação. 

Além de apostar no desenvolvimento do personagem título e de seu interesse romântico de maneira bem satisfatória (o que não ocorreu em Thor, por exemplo).

A trama contém boas saídas que permitem a aceitação de um personagem vestido com a bandeira americana num nível mundial. 

Uma delas é o contraste entre o início é o da carreira do Capitão como simples figura de propaganda americana nos EUA e sua rejeição inicial pelos próprios soldados americanos quando vai aos campos de batalha europeus.

Outra boa sacada foi a concentração das batalhas do Capitão somente contra a Hydra.

A organização, ao querer se destacar como independente, se afasta do exército nazista e torna a figura do Capitão mais verossímil para o espectador, justamente por não colocá-lo em confrontos cujos desfechos já são historicamente conhecidos.

Em relação a adaptação do personagem e sua comparação com as HQs, dá pra perceber que os roteiristas pegaram influências de várias fases do personagem (que já teve sua origem recontada várias vezes). 

O que se destaca, é claro, é sua vestimenta de batalha bem próxima a versão Ultimate do personagem (que teve início nas HQs dos anos 2000) e o parceiro Bucky Barnes (bem mais condizente com versão moderna e séria do personagem).

Chris Evans manda muito bem interpretando o Capitão, principalmente pelo fato de não lembrar em nada seus últimos papéis em filmes como Quarteto Fantástico e Heróis.

Hugo Weaving, que já foi Sr. Smith em Matrix, o elfo Elrond em Senhor dos Anéis e o próprio V em V de Vingança, demonstra mais uma vez grande habilidade interpretativa como Caveira Vermelha e sem dúvida merecia ser melhor desenvolvido pelo roteiro.

Tommy Lee Jones e Stanley Tucci também se destacam fazendo um bom trabalho e demonstrando habilidade e sensibilidade respectivamente como alívio cômico e motivador do personagem título.

A produção de figurinos e ambientação histórica são muito bem feitas. Os tons pastéis predominantes nas cenas em Nova York e na metade inicial do filme em contraste com o tom azulado do final, por exemplo, dão um clima todo especial ao filme.

É só uma pena que depois disso tudo alguns efeitos especiais parecem ter sido feitos as pressas.

Um exemplo são as seqüências de em que o personagem joga o escudo (o que não saiu nada natural) e a corrida atrás do avião no clímax do filme cuja montagem com a paisagem de fundo falsa quase lembrou as aventuras de Chapolin Colorado.

Em última análise um ponto negativo do roteiro é não tentar desenvolver os nazistas como personagens (muito) malvados.

A justificativa provável é que os autores apostaram num conhecimento prévio do público, o que livra a cara deles no ponto de vista do politicamente correto, mas tira a força do confronto final do filme, que perde um pouco o impacto em seu clímax.

No geral um bom filme, que vale o ingresso e nos remete a uma época mais simples quando se sabia quem era o vilão mundial e nos faz lembrar da infância assistindo Indiana Jones enfrentar os nazistas no cinema e na TV.

Recomendado.

Valeu!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Livro: O Primeiro Relato da Queda de um Demônio

O Primeiro Relato da Queda de um Demônio (devir editora, 234págs, 2004) é o livro de estréia da escritora brasileira Marcela Godoy que trata de um triângulo amoroso entre uma humana e dois conhecidos seres sobrenaturais: um vampiro e um lobo.

Por que se diferencia de outros romances do gênero?

Porque Marcela, que também é roteirista de HQs e professora de roteiro na Quanta Academia de Artes, trabalha esse triângulo amoroso de forma bastante orgânica e incidental, apresentando episódios históricos da inquisição espanhola com uma incrível clareza de detalhes, abordando a origem quase bíblica dessas duas raças fantásticas e discutindo a essência do amor e do que nos faz humanos de forma poética e filosófica. 

Azael é o demônio-lobo albino guardião de Lucien, um vampiro rico, bem apessoado e recluso que vive na cidade espanhola de Ávila.

Num baile comemorativo na noite da assinatura do Tratado de Tordesilhas em 1494, eles conhecem a bela Miriam, cortesã preferida de Glauco, um arcebispo e poderoso inquisidor espanhol.

A atração de Lucien por ela é imediata e entre encontros furtivos e cartas secretas de amor, ele e Azael terão que livrá-la do maldoso Glauco para garantir-lhe a felicidade.

O que Lucien, e o próprio Azael, não contavam é que a curiosidade do lobo pela jovem se transformará em um sentimento puro e maior do que ele e sua missão como guardião serão capazes de suportar.

A história é narrada por Azael (já transformado em humano) à própria Morte, que deve julgar o pedido do demônio-lobo que o leve para o além junto com a mulher que carrega nos braços.

Nesse pano de fundo anunciado de romance trágico, autora Marcela Godoy integra conceitos de filosofia platônica, hindu e até mesmo teosófica como base do aprendizado e discussão do demônio-lobo em busca de sua própria humanidade. 

Por exemplo, Os Sete Princípios do Homem, que rondam Azael depois que ele descobre seu sentimento por Miriam, são bases da Teosofia, uma doutrina que envolve conhecimentos filosóficos, científicos e esotéricos de diversas épocas e lugares do mundo divulgados pela ucraniana Helena Blavatsky no fim do século XIX.

O romance também pende para o lado filosófico da física quântica, principalmente pela máxima dita por Azael do "Tempo dotado de vontade" (que é repetida algumas vezes durante a trama) e que guiaria a vida daqueles que não tem força de vontade o suficiente para tomar as rédeas da própria vida.

Marcela ainda surpreende por inserir na narrativa referências ao Sandman de Neil Gaiman (na figura de Onírus, o deus-dos-sonhos) e ao jogo de RPG Vampiro: a Máscara, sucesso no mundo todo no início dos anos 1990.

Na mitologia do jogo, que é reconstruída e ampliada no livro, o primeiro dos vampiros foi Caim, amaldiçoado e marcado eternamente por Deus após matar seu irmão Abel por inveja.

Na trama do livro, logo depois disso, Caim faz um pacto com o anjo caído Lúcifer, que resulta na criação de Seth, o primeiro demônio a caminhar sobre a Terra na forma de lobo. O primeiro Guardião do Mito do Homem.

Dessa forma, a autora estabelece uma genealogia para a origem de Azael, que é mostrado não com a estética ocidental de “demônio = maldade” e sim com a idéia de que demônios são seres vazios, criados para servir de forma cega, sem aspirações ou desejos pessoais. 

É claro que, a partir de um determinado ponto, Azael não consegue mais afastar a curiosidade que tem pelo sentimento que seu mestre Lucien cultiva pela humana e nem sua própria fascinação pela mesma.

É aí que acontece sua primeira transformação em homem, prenunciada desde o início pelo medalhão que carrega no pescoço, e é o significado da “Queda” alardeada no título da obra.

Publicada um ano antes da famosa série Crepúsculo de Stephenie Meyer, o livro não é recomendado para crianças e nem pessoas de cabeça fraca pela complexidade dos conceitos já abordados acima e também por conter várias cenas de sexo (algumas até não-convencionais).

É claro que os fãs de fantasia gótica poderão apreciar sem moderação, inclusive com as belas e impactantes ilustrações de Marcelo Campos que acompanham a trama.

A história é fechada, mas existe gancho para continuações e é inevitável o gostinho de "quero-mais" deixado pela construção narrativa ao final da leitura. 

A autora, inclusive já começou a publicar os primeiros capítulos da sequência (intitulada "O Mensageiro de Ararat") em seu blog: http://oblogdamarcelagodoy.blogspot.com/2010/04/1-ultrapassam-em-barbarismo-tudo-o_23.html

Só nos resta esperar que a continuação das aventuras de Azael cheguem logo.

Muito recomendado.

Valeu!

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