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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Filme: Tropa de Elite 2

“Os artistas usam a mentira para revelar a verdade, enquanto os políticos usam a mentira para escondê-la.”

É uma das (muitas) frases marcantes escritas por Alan Moore em uma de suas mais impactantes HQs, V de Vingança (que foi adaptada para o cinema em 2005), e também é a frase que me veio a cabeça ao fim da sessão de Tropa de Elite 2 (2010) do diretor José Padilha.

Dando seqüência ao violento, crítico e ótimo filme de 2007, cuja importância da mensagem foi sobrepujada pela polêmica do lançamento de uma cópia pirata meses antes da estréia oficial, este novo filme não deixa nada a dever ao original. Muito pelo contrário.

O capitão Nascimento (Wagner Moura) agora é coronel e comanda o BOPE (Batalhão de Operações Especiais da polícia militar do RJ). É então que , numa rebelião no presídio de segurança máxima Bangu 1, as coisas dão errado e Nascimento é demovido de seu posto. Apesar disso, ganha um cargo na segurança pública do estado e, por causa de pendências pessoais com um ativista de direitos humanos chamado Fraga (Irandhir Santos), demora a perceber que o verdadeiro mal que assola o Rio de Janeiro pode não ser os traficantes que combateu com tanto afinco esses anos todos, e sim os currais eleitorais de políticos corruptos controlados pelas milícias, como Fraga sempre fez questão de frisar. O problema é que até ele perceber isso pode ser tarde demais.

Além de Padilha e Moura, grande parte da equipe retornou para essa continuação e muito do sucesso do filme (que em pouco mais de uma semana em cartaz já levou 4 milhões de pessoas aos cinemas e arrecadou mais de 12 milhões de reais) com certeza se deve a isso. 

O roteiro, por exemplo, é do mesmo escritor do filme anterior, Bráulio Mantovani, baseado num argumento do próprio Padilha e de Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE, que também colaborou com primeiro filme e dividiu os créditos pelo livro Elite de Tropa. Dizem que o personagem de Nascimento, por exemplo, teria sido inspirado no próprio Pimentel. 

Enquanto o primeiro se passava em 1997, esse segundo filme mostra dois momentos distintos. O primeiro terço se passa em 2006, mostrando todo o problema ocorrido em Bangu 1 e suas conseqüências a curto prazo, enquanto que os outros dois terços mostram a formação das chamadas milícias (grupos formados por policiais, bombeiros e outros que intimidam moradores e monopolizam a venda de produtos em comunidades desfavorecidas) e o arco de amadurecimento pessoal do próprio Nascimento com mudanças radicais, embora muito bem pautadas e justificadas, em sua postura mostrada no filme original.

Mas não se engane com a frase acima, Nascimento ainda é um personagem sanguinário que se torna carismático devido a sua divisão entre o seu determinado senso de dever e justiça e os questionamentos sobre o que faz.

O que acontece aqui é o crescimento do personagem através de um confronto direto com a culpa, o que já esboçava indiretamente no primeiro filme através de seus ataques de pânico e conversas com psicólogos. 


Wagner Moura realmente dá um show, tanto nas expressões, quanto na impostação de voz e na postura do personagem que em certo ponto do filme fica claramente encurvada demonstrando seu cansaço.

O rapper André Ramiro, que interpreta o agora capitão André Matias, também retorna e, apesar de não ter tanto tempo de tela como no primeiro filme, consegue se sair muito bem para quem não tem formação de ator.

Destaque para Irandhir Santos, intérprete de Fraga, cuja emoção e a seriedade com que leva o personagem conseguem passar toda a nobreza de seus sentimentos. É o terceiro filme em que o ator tem papel de destaque esse ano (os outros foram comentados por mim aqui e aqui). E com personagens bem diferentes. Mais um ponto no crescimento desse que se revela um dos melhores e mais atuantes atores do cinema nacional da atualidade.

Vale ressaltar também a participação de André Mattos como Fortunato, um apresentador de TV cujo mote do programa é destacar crimes e ações policiais e que, por conta disso, acaba se elegendo deputado e virando um dos líderes da milícia combatida por Fraga e Nascimento. Quem é do Rio de Janeiro sem dúvida vai identificar a polêmica inspiração do personagem num apresentador real de um popular programa que costuma passar na hora do almoço na filial carioca da emissora de um bispo evangélico.

E ainda tem a volta de Milhem Cortez, como o impagável e corrupto Fábio, que, apesar de agora ser coronel, continua engraçado, cagão e imoral como sempre.

Parte técnica invejável, com seqüências de ação extremamente bem feitas e realistas filmadas em locações verdadeiras, com algumas sequências na própria sede do BOPE e com equipamentos reais do batalhão. 

A câmera firme e o olhar de José Padilha se estabelecem cada vez mais como uma das melhores da atualidade no Brasil. Resta saber se o diretor demonstraria talento se arriscando em filmes com outra temática que não violência e crítica social. Mas, mesmo assim, ele está ótimo onde está.

Uma grande crítica a formação política e policial brasileira com toques de violência embasados pelo arco de desenvolvimento pessoal do coronel Nascimento é o que esperar desse ótimo filme.

Aliás, a crítica política é tão contundente que já ouvi alguém dizer que se o filme estreasse antes das eleições desse ano teríamos uma avalanche de votos nulos nas mãos.

Seria interessante ver os políticos numa situação dessa afinal, citando Alan Moore e seu V de Vingança mais uma vez: "O povo não deve temer seu governo. O governo deve temer seu povo."

Recomendado!

Valeu!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Livro: Selva Brasil

Roberto de Sousa Causo é talvez o autor de ficção científica brasileiro mais atuante no meio de 20 anos pra cá, com vários livros publicados, sendo três romances, algumas novelas e histórias curtas e vários contos e ensaios dentro de fanzines, revistas de grande circulação e antologias famosas não só no Brasil, mas em mais de 10 países.

Em seu novo livro, Selva Brasil (112 pág., 2010) pela editora Draco, Causo trabalha com um gênero conhecido como história alternativa, que desenvolve tramas que tentam imaginar como teria sido a História de um lugar se uma determinada situação importante tivesse um desfecho diferente.

O momento escolhido aqui é 1962, ano em que o então presidente Jânio Quadros teria feito planos de invadir as Guianas por acreditar que o Brasil tinha direito histórico a boa parte de seus territórios. Tudo isso revelado num artigo publicado em 1993, após a morte do ex-presidente, em que um jornalista ainda diz que o exército brasileiro teria apoio da Argentina, que tentaria retomar o controle das ilhas Malvinas das mãos da Inglaterra.

Só pra constar: a chamada Guerra das Malvinas realmente aconteceu, inclusive com grandes perdas pro lado argentino (maiores detalhes aqui), mas a iniciativa de Janio nunca foi posta em prática.

A história do livro se passa exatamente em 1993, onde o próprio Causo é narrador e personagem de suas aventuras como sargento do exército numa guerra que já se estende por mais de 30 anos com mais perdas do que ganhos de território na Amazônia brasileira. Retratando o dia-a-dia de um pelotão numa guerra no meio da selva, Causo reconstrói a História brasileira a partir da iniciativa (dessa vez executada) de Jânio, além de reescrever sua própria história. 

A trama, muito bem narrada em primeira pessoa, consegue nos inserir com sucesso nas dificuldades passadas pelos soldados e acaba se tornando difícil de largar justamente pelo fato de tentar dar uma perspectiva brasileira a uma história de guerra. Devo admitir que foi bastante divertido ler nomes como Tadeu, Daniel e Carlos, além de termos como FUNAI, Itamarati, FAB e outros numa história desse tipo.

O texto ainda faz citações a Guimarães Rosa e Jorge Luis Borges e a trama acaba se desenvolvendo espetacularmente em algo que lembra uma mistura de Coração das Trevas de Joseph Conrad com a lenda do Experimento Filadélfia, um experimento militar secreto realizado com o navio de guerra americano USS Eldrige, já abordada em vários livros e filmes (e é mais detalhado aqui). 

Boa parte dos termos utilizados no livro vem da experiência pessoal do autor no exército e de uma extensa pesquisa sobre armas, plantas e geografia amazônica. O autor, que mora em São Paulo, ainda admite no posfácio sua fascinação por tudo que remete a maior floresta do mundo, falando também sobre algumas das várias histórias que já escreveu sobre a selva.

Um livro curto, de leitura fácil que dá uma aula de história ao mesmo tempo que diverte e surpreende pelo tempero brasileiro num suspense alternativo de ficção científica.

Ótima prova que o Brasil ainda é capaz de produzir bons autores que não desistem de dar uma cara reconhecível a ficção científica nacional.

Recomendado!

Valeu!

sábado, 2 de outubro de 2010

Quadrinhos: Muchacha

O novo álbum do cartunista Laerte pela Quadrinhos na Cia chama-se Muchacha (96 pág, 2010) e é uma compilação de tiras já publicadas anteriormente no jornal Folha de São Paulo.

Provavelmente a série diária com uma mesma história de maior duração do autor, Muchacha apresenta um programa de TV e seus bastidores num Brasil do ano de 1958, com direito a travestis, loucos internados, jornalistas oportunistas, taras não-convencionais, morcegos comunistas, propagandas politicamente incorretas e homens do futuro.

Capitão Tigre é um programa infantil sobre um espadachim mascarado que vive para salvar seu amor Sulfana das garras do tirano Rei Almedar e do traiçoeiro Milhafre.


Tudo começa quando o patrocinador do programa muda e exige incluir naves espaciais e alienígenas na história típica de capa-e-espada. Isso provoca um surto em Lairo Villa, o interprete do herói, que assume a identidade do personagem e provoca um grande rebuliço, gerando reações adversas em todo o elenco.


Laerte, que trabalhou muitos anos escrevendo pra TV e recentemente lançou um álbum sobre suas lembranças da telinha desde a infância, destila todo seu conhecimento de área nessa tira, fazendo questão de mostrar o lado sórdido, e muito mais interessante, dos bastidores de programas do tipo.

Exibindo um grande domínio da narrativa, Laerte divide a série em várias frentes, abordando não só o personagem principal, mas desenvolvendo personagens igualmente carismáticos como o ator injustiçado (e travesti) Djalma, o escritor mau-caráter Cabayba e o morcego de desenho animado Frederico, um estereótipo do que de pior se falava sobre o comunismo na época.

Definido pelo autor como um “Graphic-Folhetim”, Muchacha é uma grande homenagem a TV e retrata de forma bem legal os costumes da década de 50, com direito a citações e aparições de figuras ilustres da época como Ângela Maria, Elizete Cardoso e Ivon Curi. Sem falar nos trechos de músicas em espanhol que dão ritmo a algumas das tiras.

Vale ressaltar que é uma experiência bem diferente ler uma tira por dia separadamente do que lê-las de uma vez na seqüência do álbum. Enquanto que lendo diariamente podia existir uma dificuldade para o leitor se situar e até mesmo no entendimento de algumas viradas na trama, ao lê-as todas juntas se consegue perceber a maestria das escolhas narrativas do autor que consegue amarrar muito bem todas as pontas soltas e dar unidade a história.

Interessantíssimo trabalho do autor que conquista pelo ritmo de leitura ágil e consegue ser, ao mesmo tempo, sensual e inocente, além de muitíssimo bem estruturado.

Recomendado!

Valeu!

Quadrinhos: O que aconteceu ao homem mais rápido do mundo?

O que aconteceu ao homem mais rápido do mundo? (Whatever Happened to the World's Fastest Man?68 pág, 2010) é uma HQ inglesa independente bastante elogiada pela crítica internacional e publicada recentemente pela Gal Editora aqui no Brasil.

Uma história sobre heroísmo que termina com um grande questionamento sobre ações e suas conseqüências.

Bob Doyle é um rapaz inglês de 20 e poucos anos que tem o poder de parar o tempo. Mesmo não sendo um herói, ele não deixa de ajudar pessoas quando tem oportunidade.

Por causa disso, na mídia criou-se o mito da existência de um misterioso “homem mais rápido do mundo”. Sem interesse em fama ou reconhecimento, Bob continua vivendo sua vida normalmente quando um louco coloca num prédio do centro de Londres uma bomba cuja destruição pode matar milhares de pessoas nas redondezas. É aí que Bob decide salvar a todos, mesmo que para isso tenha que usar seus poderes a exaustão.

Fazendo uma comparação com o cinema, Bob é um herói do tipo relutante e inseguro que combina mais com o personagem de Bruce Willis em Corpo Fechado do que com o Homem-Aranha ou Batman, por exemplo.

Apesar da premissa de parar o tempo não ser algo tão novo em histórias em quadrinhos, a trama do criador e roteirista Dave West é muito bem montada contendo vários lances originais e questionamentos bem interessantes que evocam a identificação com o leitor sobre a natureza do heroísmo. Principalmente no final. 

Os desenhos e enquadramentos de Marleen Lowe são um bom contraponto ao roteiro, apesar de, na minha opinião, achar que o tom sério da história merecia um estilo menos cartunesco.

Mesmo assim, vale destacar que a solução encontrada pelos autores pra diferenciar o tempo real do tempo de Bob é interessante e bem executada.

O álbum ainda contém um prefácio redigido especialmente para o Brasil pelo autor, uma história curta com um episódio da infância de Bob e um texto do jornalista Maurício Muniz, editor da edição brasileira, sobre sua paixão por HQs e como utilizar o twitter para fazer contatos e novos amigos.

Uma história simples com questionamentos bem complexos que acaba se tornando gostosa de ler ao despertar dúvidas bem humanas e reconhecíveis em seu personagem principal.

Mesmo que você não goste de quadrinhos de super-heróis ou pessoas com poderes, pode vir a apreciar esta história.

Recomendado.

Valeu!
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