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domingo, 30 de maio de 2010

Livro: Os Homens que Encaravam Cabras

O Jornalismo Literário ou Novo Jornalismo é um termo cunhado nos anos 1960 para o jeito de narrar histórias verdadeiras com toda a liberdade criativa de um livro de ficção, com direito a diálogos e tudo. 

O escritor e documentarista inglês Jon Ronson é adepto desse estilo no livro Os Homens que encaravam Cabras (302págs, 2010) que a editora Record lançou no Brasil em Abril desse ano por conta do filme com George Clooney, que teve uma estréia bastante tímida por aqui.

O título chamativo e aparentemente sem sentido é o espelho da prosa irônica de Ronson ao contar a história do famoso Laboratório de Cabras do exército americano.

O laboratório de cabras é um lugar oficialmente reservado ao treino de médicos do exército na extração de balas e tratamento de outras injúrias que poderiam ser sofridas por soldados nos campos de batalha. De acordo com Ronson a primeira versão do laboratório era compreendido por cachorros, mas os soldados tinham muita pena de atirar nas patas dos bichos para os médicos tratarem. Com as cabras, por alguma razão, esse problema foi resolvido.

O problema é que as cabras não foram usadas exclusivamente para esses fins. As pesquisas de Ronson revelam que numa determinada ocasião um homem, só de olhar, chegou a parar o coração de uma cabra.

É em busca desse homem que ele parte no início do livro e suas fontes (todas elas devidamente identificadas) acabam apontando que o exército tinha outras metas tão estranhas quanto parar um coração só com o olhar. 

Coisas como levitação, atravessar paredes, projeção astral, telepatia, visão remota, sons hipnóticos, invisibilidade e controle mental já fizeram parte da pauta do exército americano no início dos anos 1980. E alguns dizem que ainda fazem.

Tudo isso por causa do tenente-coronel Jim Channon que escreveu em 1978 o manual do Primeiro Batalhão da Terra em que descreve como deveria ser o soldado perfeito.

Jim sobrevive a um episódio desastroso na Guerra do Vietnã e apresenta a seus superiores sua idéia de pesquisar novas técnicas para aprimorar os soldados. O exército concorda e, incrivelmente, financia sua viagem a países do extremo Oriente e sua estadia em comunidades hippies norte-americanas. 

Voltando pra casa revigorado, ele apresenta seu manual, que é tido com extrema desconfiança, mas é resgatado pelo major-general Albert Stubblebine III, que vê ali a única saída para o desânimo que parecia corroer o exército americano após o fracasso do país no Vietnã.

Stubblebine é o personagem principal do engraçadíssimo episódio narrado na abertura do livro.

Jon Ronson vai além e acaba descobrindo e expondo toda uma rede de iniciativas tomadas pelo exército desde então. A espuma paralisante e a tortura com drogas ou músicas de um certo dinossauro roxo tocadas continuamente, por exemplo, são algumas das ações que foram grandemente alardeadas em 2002 pela mídia mundial na Guerra do Iraque e podem ter partido de uma deturpação das idéias do manual de Jim Channon.

O autor se insere na história atrás da verdade sobre os experimentos paranormais do governo dos EUA indo atrás de tipos muito estranhos que podem ter sido empregados pelo exército. 

Tem entrevista até com o famoso paranormal Uri Geller, que nos anos 70 vivia aparecendo na televisão entortando e quebrando garfos e colheres de metal com apenas dois dedos.

Segundo Ronson, Geller chegou a dar várias entrevistas nos anos 1980 se dizendo espião do exército e atualmente (em 2003) se dizia reativado, apesar de não querer falar sobre o assunto.

Sobre até pra CIA, pro FBI e pro governo inglês realizarem alguns experimentos em episódios que não ficaram marcados positivamente nas Histórias dos países.

Um livro que começa num tom de comédia baseado em aparentes absurdos que acabam tomando ares assustadoramente reais ao relacionar tortura psicológica, seitas de suicídio em massa e assassinato por queima-de-arquivo com as pesquisas de governos na modalidade de guerra para o século XXI, a guerra psicológica.

Grande trabalho jornalístico e literário de Jon Ronson numa prosa leve e direta que ainda inclui no miolo meia dúzia de fotos de personagens reais de algumas das histórias e uma extensa bibliografia comentada pelo próprio autor para embasar os episódios sobre o qual discorre.

Um bom exemplo de como até mesmo instituições rígidas e aparentemente inquestionáveis como o Exército Americano não estão livres da estupidez humana. Basta ter algum ser humano (e talvez cabras) no meio pra isso.

Recomendado!

Valeu!

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Filme: Quincas Berro Dágua (2010)

O filme que chega aos cinemas agora em 2010, Quincas Berro Dágua, tem o roteiro escrito pelo diretor Sérgio Machado, que faz uma ótima adaptação, apesar não tão fiel, do texto do livro. 

Quincas (Paulo José) amanhece morto na manhã de seu aniversário. Todos os seus amigos o esperavam com uma festa surpresa na noite anterior, a qual ele não compareceu. Sua filha Vanda (Mariana Ximenes), que não o via há dez anos, é comunicada de sua morte e tenta com a ajuda dos tios e do marido Leonardo (Wladimir Brichita), dar ao pai um enterro decente. O problema é que seus atuais amigos, que estão no grupo das putas, cachaceiros e vagabundos, parecem ter seus próprios planos pra última noite com o cadáver.

O filme tenta expandir o universo do romance, dando mais importância a alguns personagens e muito mais ênfase ao lado humorístico da história.

Em especial esticando, por assim dizer, a última noite de Quincas, acrescentando três ou quatro novas situações vividas pelo quarteto (que com Quincas vira quinteto) de vagabundos que poderiam muito bem ter saído da cabeça do próprio Jorge Amado, autor da história original (da qual já falei aqui).

Até consegue no lado humorístico, com passagens, piadas e chistes simples, inteligentes e bem estruturados no quarteto de vagabundos, que me lembraram os bons tempos de Os trapalhões.

Mas não se sai muito bem ao criar personagens que não pertenciam a narrativa original como a dona de cabaré Manuela (Marieta Severo), amor de Quincas na sua vida de esbórnia, cuja relação com o vagabundo fica pouco verossímil por não ser bem desenvolvida pelo roteiro. 

Até mesmo a filha Vanda tem a participação bastante esticada no filme, com direito a um arco narrativo independente que fica meio difícil de engolir.

Personagens provavelmente motivados pela fama das atrizes, que mesmo pouco exploradas pelo roteiro, interpretaram muito bem seus papéis, com destaque a Mariana Ximenes que mescla muito bem as emoções de seriedade, tristeza e nostalgia que a personagem sente pelo pai.

Paulo José interpreta um Quincas leve e gozador que, apesar de limitado pela condição de defunto, aproveita muito da narração cínica que faz do além pra traduzir as expressões de seu corpo ao espectador. É difícil, e ao mesmo tempo emocionante, ver um ator da idade e condição dele em toda essa atividade.

Mas a alma do filme é mesmo o quarteto de vagabundos que roubam o defunto, formado por Pastinha (Flávio Bauraqui), Pé-de-vento (Luis Miranda), Curió (Frank Menezes) e cabo Martim (Irandhir Santos) que passam a sensação de estarem totalmente a vontade, apesar de compenetrados, em seus papéis.

De parabéns estão o diretor Sérgio Machado e a preparadora de elenco Fátima Toledo, que já trabalhou em filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite, por conseguirem extrair dos atores emoções verdadeiras e condizentes em todas as cenas.

Em especial ao elenco de apoio, quase todo formado por atores baianos pouco conhecidos, muitos deles provindos do Bando de Teatro Olodum e da série de TV Ó Paí, ó.

A direção de arte foi muito feliz na ambientação do filme ao manter o caráter atemporal da narrativa original, inclusive com os figurinos dos personagens bem caracterizados para se passar em qualquer lugar da Bahia, dos anos 60 ao início do século XXI.

A câmera firme de Sérgio Machado e do diretor de fotografia Toca Seabra, apesar de pouco inventiva, não decepciona ao explorar ambientes, mas prefere destacar as ótimas performances dos atores.

Filmado em locações em toda a cidade de Salvador, com muitas delas no próprio Pelourinho, é um filme que agrada visualmente.

Grande comédia nacional bem adaptada do texto de Jorge Amado, que se baseia em situações absurdas, mas muito bem desenvolvidas, e numa ótima química de todos os atores, em especial do quarteto principal.

Mais uma prova que, nesse ano de 2010, o cinema nacional já se mostra vindo a toda pra competir de igual para igual com os estrangeiros.

Recomendado!

Valeu!

Livro: A morte e a morte de Quincas Berro Dágua

Dizem que Quincas Berro Dágua, o “pai dos vagabundos”, foi um homem que morreu três vezes na Bahia de todos os santos. 

Sua primeira morte foi moral, quando abandonou a família após sua aposentadoria de respeitável funcionário público pra viver entre putas, bêbados, jogadores, capoeiristas e vagabundos. Sua segunda morte se dá quando amanhece morto num quartinho imundo depois de dez anos longe da família original. A terceira morte se dá após o seu velório, quando quatro de seus companheiros vagabundos roubam o cadáver com o objetivo de lhe dar uma última noite de festa pelos becos da capital baiana. 

O que aconteceu antes, durante e depois dessas mortes só Jorge Amado (1912-2001) pôde contar.

E contou magnificamente na obra A morte e a morte de Quincas Berro D´água que começou a ser publicada em capítulos a partir de 1959 na revista Senhor, e que em 1961, foram reunidos em formato de livro.

O “cachaceiro-mor de Salvador”, o “filósofo esfarrapado da Rampa do mercado”, o “senador da gafieiras”, Quincas Berro Dágua, o “vagabundo por excelência” eis como o tratavam os jornais, onde por vezes sua sórdida fotografia era estampada.

Um romance de mais de 50 anos de publicação que trabalha com valores extremamente atuais. Uma crítica a alta sociedade baiana na prosa informal, perspicaz e cínica de Jorge Amado feita de forma leve e contendo passagens engraçadíssimas.

Nem agora, morto e estirado num caixão, com velas aos pés, vestido de boas roupas, ele se entregava. Ria com a boca e com os olhos, não era de admirar se começasse a assoviar. E, além do mais, um dos polegares – o da mão esquerda – não estava devidamente cruzado sobre o outro, elevava-se no ar, anárquico e debochativo.
– Jararacas! – disse de novo, e assoviou gaiatamente.

Jorge Amado narra como observador, mas, pegando carona nas Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, pontua o texto com algumas pequenas intromissões de Quincas trabalhando o realismo fantástico e o humor de algumas obras posteriores.


– Está um senhor – gabou o Negro Pastinha. – Um defunto porreta!
Quincas sorriu com o elogio, o negro retribuiu-lhe o sorriso:
– Paizinho... – disse comovido e cutucou-lhe as costelas com o dedo, como costumava fazer ao ouvir uma boa piada de Quincas.

Um livro curto (120 páginas) e bem rápido de ler que se destaca pela leveza com que faz as críticas sociais e morais, pelos personagens muito bem caracterizados (especialidade de Jorge Amado), e pelo humor que só a informalidade e baianidade de seus textos podem promover.

Como fora então morrer de repente num quarto na ladeira do Tabuão? Era coisa de não se acreditar, os mestres de saveiro escutavam a notícia sem conceder-lhe completo crédito. Quincas Berro Dágua era dado a mistificações, mais de uma vez embrulhara meio mundo.

Eleito em 2006, o melhor romance do autor numa enquete feita entre escritores e editores por uma revista especializada, o livro ainda teve uma nova edição lançada em 2008 pela editora Companhia das Letras. 

Essa edição vem acompanhada de ilustrações, fotos e um posfácio de Affonso Romano de Sant´Anna que conta a história de cabo Plutarco, o homem que teria sido a inspiração pra Jorge Amado escrever a história de Quincas.

Recomendadíssimo!

Valeu!

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Filme: Alice no País das Maravilhas (2010)

O diretor Tim Burton conseguiu. 

Conseguiu acabar com uma das melhores histórias infantis de todos os tempos, escrita em 1864 pelo inglês Lewis Carroll, psedônimo de Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898). 

Mas é claro que Burton não fez isso sozinho. O roteiro ajudou muito. Os atores também. E boa parte da Trilha sonora.

Como isso aconteceu? Vamos por partes. Primeiro um pouco da história.

Alice Kingsley (Mia Wasikowska) é uma jovem que tem um pesadelo de infância recorrente: adentra um mundo estranho com criaturas muito esquisitas sem razão aparente. Com a iminência de um casamento de conveniência arranjado pela mãe, ela foge e cai num buraco de árvore ao perseguir um coelho apressado. Se vê no mundo de seus sonhos, onde parece ser a escolhida da profecia que tirará a Rainha Vermelha (Helena Bonham-Carter), que gosta de escravizar seres e tem predileção por cortar cabeças, de seu trono.

Roteiro cheio de furos e situações gratuitas, quase como num sonho. Personagens desaparecendo numa cena e voltando na outra sem explicação, como a ratinha Dormindonga e o cão Bayard, são algumas dessas situações. O problema é que o que começa como um estranho sonho vai ganhando ares de realidade, mas a repetição desse tipo de furo e aparição gratuita tira a credibilidade da história.

Outra coisa ruim é que, fora Alice, não há preocupação em aprofundar os personagens. Nem mesmo em apresentá-los. O roteiro aposta num conhecimento prévio de todos, o que até funciona para alguns, tipo o coelho e o chapeleiro, mas outros ficam meio deslocados, como a Rainha Branca. Que seria a grande antagonista da Rainha Vermelha, mas o roteiro não consegue estabelecer um conflito satisfatório entre elas. 

A Rainha Vermelha é tão bem e divertidamente interpretada por Helena Bonham-Carter que, se não fosse tão fã de cortar cabeças, talvez ninguém reclamasse dela permanecer no trono. É sem dúvida a alegria do filme.

Quem decepciona mesmo é Mia Wasikowska. Sua Alice começa o filme inexpressiva, o que até seria justificado pelo roteiro, mas a atriz falha ao não conseguir desenvolver muito mais do que duas expressões ao longo de todo o filme: feliz e preocupada. 


Johnny Depp está muito esquisito e passável como Chapeleiro Maluco.

Mas o que não dá pra aceitar é Anne Hathaway como Rainha Branca. Seus trejeitos e expressões afetadas parecem tão falsos que não condizem com a bondade que deveria emanar da antagonista da Rainha Vermelha. Não dá pra acreditar quando ela diz que fez um voto de não matar criatura viva e pede que Alice mate o Jaguadarte. Hipocrisia? É claro que talvez o roteiro não ajude.

Os personagens em computação gráfica é que roubam a cena conseguindo ser muito mais expressivos que a maioria dos atores.

Destaque para o risonho Gato de Chesire, dublado por Stephen Fry.

Até a trilha sonora é errada. Muito exagerada. Com certeza com o objetivo de provocar grandes emoções no espectador quando na verdade não está acontecendo nada. Quase um tapa buraco ou um remendo pra falta de emoção do filme.

Percebe-se que há a tentativa de tornar Alice um épico, com batalhas de exércitos e um dragão (o temido Jaguadarte) no final, porém Tim Burton erra, e muito, a mão.

Mas, pelo menos visualmente, ele consegue deixar sua marca. O figurino e direção de fotografia são impecáveis. Destaque para o cenário do tabuleiro de xadrez onde ocorre a batalha final e para as montagens e animações por computador.

A melhor seqüência do filme é quando Alice lembra da primeira vez que esteve no País das Maravilhas. A evocação do desenho clássico da Disney (de 1951) é um grande suspiro emotivo num filme quase todo insípido.

É um filme bastante colorido e atraente visualmente. Tanto que deu origem a uma série de produtos derivados que podem ser encontrados a venda em lojas e estão fazendo sucesso entre a garotada, em especial as meninas. Pena que não dá pra tirar quase mais nada dele.

Um filme que criou um grande expectativa e falhou em alcançar várias delas.

Sem dúvida agradará as crianças, que parece ser seu público exclusivo, mas se você procura um pouco mais de profundidade, ao invés do filme, pode aproveitar pra ler os dois livros originais de Carroll ou assistir algumas das inúmeras adaptações que a história teve ao longo desses quase 150 anos.

Valeu!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Filme: Olhos Azuis

Que diferença faz um gene recessivo ou dominante para determinar a cor dos nossos olhos?

Nenhuma do ponto de vista moral.
Alguma do ponto de vista biológico.
Aparentemente muita do ponto de vista social.

É quase isso de que se trata Olhos Azuis, novo filme do diretor brasileiro José Jofilly, que ficou famoso por ter dirigido filmes como Bete Balanço, Quem matou Pixote?, Dois perdidos numa noite suja e vários outros.

É a história de Marshall (David Rasche), um oficial chefe da alfândega americana em seu último dia de trabalho, e seu confronto com Nonato (Irandhir Santos), um brasileiro que largou o emprego de professor em Pernambuco para comandar uma empresa vendedora de quentinhas nos EUA.

A história é contada em dois tempos mostrados paralelamente. Um deles mostra o último dia de Marshall antes da aposentadoria no aeroporto JFK em Nova York, e o outro já o mostra em Recife a procura de uma menina que tem obsessão em encontrar.

Roteiro estruturado num argumento do próprio diretor, apesar de escrito por Paulo Halm e Melanie Dimantas, e baseado em humilhações recentes sofridas por imigrantes e viajantes por conta do preconceito e medo dos norte-americanos desde o 11 de setembro de 2001. 

Peca um pouco pelo excesso de lugares comuns, o que é inevitável, visto que muitos já ouviram uma história de vergonha passada em aeroporto internacional. Também deixa um pouco a desejar em alguns diálogos expositivos que soam forçados.

Apesar disso, consegue trabalhar bem o drama e a tensão necessários a história e aprofundar satisfatoriamente os personagens, sendo bastante sincero e verossímil ao evocar o preconceito e diferença entre as culturas dos EUA e da América Latina.

O elenco de apoio internacional foi muito bem escolhido e fica difícil falar de alguém em separado já que todos estiveram muito bem.

Desde o casal de argentinos (Hector Bordoni e Valeria Lorca), passando pela jovem cubana (Branca Messina) e pelos oficiais americanos (Frank Grillo e Erica Gimpel), cada um com sua história bem embasada pelo roteiro e com atores que não deixaram a desejar em seus papéis.

Mas o destaque mesmo fica para o trio principal do filme. 


Cristina Lago, que interpreta a prostituta Bia na fase brasileira da trama, “patina” um pouco no inglês (o que talvez seja requisito do personagem), mas demonstra uma alegria e leveza (e até certa seriedade) autêntica que serve de ótimo contraponto a melancolia de Marshall.

David Rasche, mais conhecido pelo seriado Na Mira do Tira (em que interpretava o durão Sledge Hammer nos anos 80), faz um Marshall em duas fases distintas, com semblantes completamente diferentes em cada uma. Se mostra um ótimo ator praticamente levando o filme nas costas, o que prova que é bastante subestimado em seus papéis televisivos.

Irandhir Santos, que faz Nonato é o típico brasileiro trabalhador um pouco deslumbrado com tudo o que já viveu lá fora. A tensão demonstrada em seu rosto nas cenas de interrogatório e no clímax do filme é sem dúvida prova do grande talento do ator, que participa de mais dois filmes a serem lançados por aqui esse ano. É a revelação do momento no cinema nacional.

Destaque para a montagem e edição do filme que, com várias idas e vindas no tempo, consegue criar um ótimo suspense e revelar informações cruciais nas duas tramas quase que ao mesmo tempo.

A direção está de parabéns por conseguir estabelecer tons perfeitos para o filme, principalmente ao escolher a câmera trêmula nos momentos de tensão.

Ponto positivo para a fotografia e iluminação ao conseguirem passar um sentimento claustrofóbico na sala de espera da alfândega americana em  contraste com a amplidão dos cenários do Brasil.

Um grande filme brasileiro que pega o fio condutor de um assunto atual para falar sobre deslumbramento, preconceito, racismo, patriotismo e o sentimento ruim de se estar longe de casa. Tudo isso embasado numa trama de culpa e redenção é o que esperar de Olhos Azuis, que estréia dia 28 de maio em grande circuito.

Recomendado!

Não posso me despedir sem antes agradecer ao diretor José Joffily e a Coevo filmes (em especial a Anita) pelo convite para assistir (de graça) a uma pré-estréia exclusiva para blogueiros. 

São iniciativas inteligentes como essa que faltam ao cinema nacional para ajudar a dar fim ao preconceito de que filme brasileiro não é bom.

Não perca esse filme!

E que venham mais convites!

Valeu!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Quadrinhos: Scott Pilgrim Contra o Mundo

A sensação dos quadrinhos independentes norte-americanos dos últimos tempos, Scott Pilgrim é a obra máxima do autor canadense Brian Lee O´Malley.

Misturando estrutura e design de personagens típicos de mangás, discussão de relacionamentos dos quadrinhos indies americanos e combates com referências óbvias a jogos de videogame, a obra vem conquistando fãs de diversas faixas no meio quadrinístico.

Sendo publicado desde 2004 nos EUA, está a venda desde março nas livrarias aqui no Brasil a edição nacional pelo selo Quadrinhos na Cia da editora Companhia das Letras

Essa primeira edição, Scott Pilgrim Contra o Mundo (368 págs, 2010) reúne duas das edições americanas, que vem sendo publicadas lá fora num ritmo europeu (quase uma por ano) e cujo final o autor promete para esse ano, fazendo um total de seis edições gringas. 

Por aqui, com a proximidade da estréia do filme estrelado por Michael Cera (conhecido pelo namorado do filme Juno) nos cinemas, são prometidas apenas três edições.

Scott é um rapaz de 23 anos que não leva a vida muito a sério. Desempregado há um ano, ele divide um apartamento (ou mora de favor) com o amigo gay Wallace e passa seus dias acordando tarde, jogando videogame e ensaiando com sua banda de rock. Atualmente (finge que) namora Knives Chau, uma colegial de 17 anos que (até agora) nunca beijou na boca. É então que conhece a mulher que tem aparecido em seus sonhos. 
É a simpática Ramona Flowers e a paixão dele por ela é imediata. O problema é que ela tem uma Liga de Sete Ex-namorados do Mal que vão dificultar a vida de Scott.

O roteiro dialoga muito bem com o público jovem, contendo várias referências a cultura pop em geral. E ainda passa mensagens legais com citações anti-tabagistas e contra o álcool colocadas de maneira despretensiosa e nada didática no meio da trama. 

Com bônus de duas músicas cifradas da banda de Scott pra você tocar no violão e uma receita (real) de uma torta vegan pra você tentar cozinhar com seus amigos. 

Os combates de Scott com os ex-namorados de Ramona serão o ponto alto do álbum pro público fã de videogame, mas a trama de relacionamentos entre Scott e Ramona, recheada de personagens secundários interessantes, é o que te fará querer acompanhar a história até o final. 

Dois deles já começam a ser desenvolvidos neste volume. Uma é a própria Knives, que se encontra exatamente naquela fase de descoberta da música e do amor pela qual todo mundo passa.
A outra é Kim Pines, ex-namorada e atual bateirista da banda de Scott, cujo mau-humor e sinceridade evocam momentos bastante engraçados.

Talvez despretensiosa seja pouco para descrever essa história, que pode ser apreciada por pessoas em várias faixas etárias, apesar dos combates poderem causar estranhamento em quem não está acostumado.

Mas sem dúvida nenhuma é muito divertida (em vários níveis) e merece o sucesso que vem fazendo na mídia.


Tomara que o filme faça sucesso e incentive ainda mais as editoras a publicarem de trabalhos como esse por aqui.

Recomendado!

Valeu!

terça-feira, 11 de maio de 2010

Livro: O Evangelho de Judas

Conhece a história do homem que traiu seu mestre por trinta moedas de prata?
E a do homem que era o mais fiel dos discípulos e só fez o que o mestre queria?

E se eu disser que os dois homens são a mesma pessoa? O apóstolo de Jesus conhecido por Judas Iscariotes.

A segunda visão para as ações de Judas, a mais polêmica por sinal, é a que é exposta e discutida no livro O Evangelho de Judas - do códice Tchacos (185 pág., 2006) da editora National Geographic.

O códice Tchacos é um pergaminho antigo encontrado numa escavação clandestina no Egito em 1978. Conforme é explicado no livro, o Códice ficou guardado num cofre durante quase vinte anos, enquanto seu dono tentava arrumar um comprador que pagasse o preço exorbitante que ele cobrava.

Ele só veio a tona em 2001 quando uma fundação sem fins lucrativos, a Maecenas Foundation for Ancient Art, conseguiu sua posse para efetuar a restauração e tradução de seu texto. 

Em 2004, o professor Rodolphe Kasser, um dos chefes da equipe responsável pelo texto, veio a público, com o apoio da National Geographic, para relatar suas descobertas. 

Foram encontrados 4 textos independentes nas 66 páginas do pergaminho. Três com versões já encontradas em outras escavações, como as de Nag Hammadi e as do Mar Morto, e um que causou furor na comunidade mundial, que se intitulava o Evangelho de Judas e compreendia 25 páginas do Códice.

Um texto cuja existência histórica já era conhecida por ter sido citado por um dos primeiros bispos da Igreja, Irineu de Lyon, em seu tratado Contra as Heresias, publicado no ano de 180 d.C.. Nesse tratado Irineu critica duramente O Evangelho de Judas e outros textos gnósticos (palavra grega para conhecimento) cristãos por apresentarem visões diferentes da história de Cristo apresentadas nos evangelhos tidos como oficiais.

O texto é apresentado na íntegra, mas tem várias falhas em seu desenrolar devido ao estado precário (como podemos comprovar nas fotos) em que o pergaminho se encontrava. 

Nele, Judas é o único discípulo que teve a coragem de se colocar diante de Jesus quando ele pediu e, mesmo desviando o olhar ao encará-lo, reconheceu-o como filho do Espírito invisível, um ser que estaria acima do criador do céu e da Terra (considerado uma divindade menor em textos gnósticos). É então que Jesus reconhece nele a fagulha divina, algo que só poucos humanos detém, e decide revelar-lhe mistérios secretos que não contaria aos outros apóstolos.

Jesus lhe revela uma outra história para a criação do mundo, diferente da exposta no Antigo Testamento. Em meados do texto Judas conta a Jesus da visão que teve de ser apedrejado pelos outros apóstolos e Jesus lhe confessa: “Mas suplantarás a todos eles. Pois sacrificarás o homem que me veste.”

O evangelho em si é bastante curto, mas o livro contém quatro textos/comentários explicativos por especialistas que estiveram envolvidos em alguma fase da restauração e tradução do Códice Tchacos. Todos eles bem escritos e indispensáveis para quem quer saber mais sobre o assunto.

O primeiro é do próprio Rodolphe Kasser em que expõe seu dificílimo trabalho para restaurar e traduzir o texto e tenta contar a história dos mais de vinte anos em que o Códice levou para chegar as suas mãos. Já havia sido publicado na revista da National Geographic.

O segundo comentário é de Bart D. Ehrman em que tenta expor a importância e avaliar o impacto que um texto desse teria se levado a sério pela Igreja Católica e toda a comunidade cristã mundial.

O terceiro é de Gregor Wurst em que faz comparações do texto do evangelho com os comentários feitos por Irineu de Lyon no seu famoso tratado Contra as Heresias.

O quarto comentário é de Marvin Meyer e relaciona o evangelho de Judas a outros textos gnósticos cristãos (ou cristãos esotéricos) como os de Nag Hammadi.

Necessário dizer que esses quatro escritores/comentaristas são professores de universidades conceituadas, todos eles com Ph.D. em suas áreas de atuação, que vão desde História Antiga a línguas mortas e estudos bíblicos.

O códice Tchacos foi comprovado como verdadeiro por testes realizados por vários especialistas. Um deles é o teste da datação química por carbono 14 que situa o papel como produzido por volta de 280 d.C. e a tinta por volta da primeira metade do século IV (301 a 400 d.C.). E vários especialistas em copta (língua do texto) situam o estilo da escrita nessa mesma época.

Um livro essencial pra quem gosta de história do Cristianismo e não se importa de conhecer outras versões para um mesmo tema. Afinal, o que importa é a mensagem de amor e compaixão que a história passa e não como ela é contada.

Valeu!

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Filme: Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera

Um antigo ditado chinês diz: “Burro é aquele que não aprende. Inteligente é quem aprende com os próprios erros. Sábio é quem aprende com o erro dos outros.”

Eu poderia resumir assim o filme Primavera, verão, outono, inverno... e Primavera (Bom yeoreum gaeul gyeoul geurigo bom, 2003), uma co-produção Coréia do Sul/Alemanha, ganhadora de 11 prêmios internacionais, escrita e dirigida pelo coreano Kim Ki-Duk.

Um velho monge cria sozinho um garoto num pequeno templo budista construído no meio de um lago cercado de montanhas. A cada estação que passa, o garoto cresce e aprende. Infelizmente, aprende mais com os seus próprios erros do que com os dos outros.

Roteiro estruturado nas estações do ano com um conto quase independente (com início,meio e fim) por estação, apesar de centrados no jovem monge, sua relação com o mestre e com outras pessoas enquanto ele vai crescendo e conhecendo a vida.

Entre cada estação da narrativa parece se passar um intervalo de 10 anos, portanto o jovem monge é interpretado por quatro atores diferentes.

E são atores que não deixam nada a desejar no quesito interpretação, desde a criança cruel e emotiva, até o adulto maduro que não fala muito (interpretado pelo próprio Kim Ki-Duk).

E por falar nisso, o filme não é nem um pouco verborrágico, muito pelo contrário, os diálogos são todos pontuais e econômicos

Boa escolha do diretor que, ao contar a história mais pelas imagens do que pelos diálogos, espelha, além de um bom domínio narrativo-visual, o Nobre Caminho Óctuplo (ou Caminho do Meio) estabelecido por Buda em sua doutrina que, entre outras coisas, busca sempre moderação e harmonia. Falar somente quando necessário é uma das práticas do budismo.

Harmonia essa alcançada explendidamente pela trilha sonora, orquestrada num estilo clássico com alguns instrumentos orientais e cânticos budistas. É difícil separar a imagem da música, que faz um papel de narradora e tradutora de emoções quando não existem diálogos, ou seja, grande parte do filme. Um casamento perfeito.

A fotografia belíssima foi ajudada principalmente pela escolha da locação, um lago na Coréia do Sul onde todas as estações do ano são bem definidas.

A direção firme e sensível de Kim Ki-Duk administra e agrupa muito bem todos esses fatores, construindo um belo filme.

Uma história claramente budista, mas que exibe e transmite emoções universais, surpreendendo por não ter um tom didático e deixar o entendimento quase todo pela compreensão do espectador.

Um lindo filme, bastante econômico nos diálogos, filmados em uma belíssima locação e que ensina que a vida nem sempre é o que a gente espera (ainda mais se lutarmos contra a corrente) é o que esperar de Primavera, verão, outono, inverno... e Primavera.

Recomendado!

Valeu!
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