Se seu comentário não aparecer de imediato é porque eles são publicados apenas depois de serem lidos por mim.
Isso evita propagandas (SPAM) e possíveis ofensas.
Mas não deixe de comentar!

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Dica de Quadrinhos: LOCAL

Não tenho palavras para descrever essa série.

Mentira. Na verdade tenho várias palavras, mas nenhuma delas sozinha serviria para representar a série como um todo.

LOCAL é uma série de 12 histórias publicadas entre 2005 e 2008 por uma editora pequena, a ONI Press, nos EUA e que chega aqui no Brasil em dois volumes pela Editora Devir.

Foi escrita por Brian Wood, roteirista premiado de quadrinhos alternativos, que já trabalhou como desenvolvedor de jogos de videogames (GTA, Max Payne etc.) e atualmente escreve a elogiada DMZ para o selo VERTIGO (que só publica quadrinhos adultos) da DCComics.

LOCAL foi desenhada por Ryan Kelly, artista plástico e ilustrador que já trabalhou em títulos da VERTIGO (American Virgin, Lúcifer e etc.) e atualmente faz ilustrações para revistas como Time, Rolling Stone e outras, além de realizar exposições e trabalhar como professor de arte.

Foi criada como uma série que tentaria captar o espírito de cidades e regiões não muito movimentadas da América do Norte. Entre cidades pequenas do interior e bairros mais calmos de grandes cidades, Brian Wood quis contar histórias de apelo emocional universal que tivessem essas cidades como pano de fundo.

São histórias com personagens bastante realistas e situações que vão de corriqueiras a inusitadas, mas bem interessantes, emocionantes e com grande potencial de identificação do leitor.

Com uma estrutura quase sem nenhum personagem fixo, as histórias meio que seguem Megan McKeenan, uma jovem de 17 anos por suas andanças pelos EUA e Canadá.Digo “meio que seguem”, pois Megan nem sempre é personagem principal das histórias. Ela aparece em todas as 12 histórias, mas só estrela mesmo sete delas. Nas outras cinco, ela faz participações especiais e pequenas figurações, sendo que numa delas só sabemos de sua existência na leitura de cartões postais feita por seu primo.

Além de Megan e da condição da mudança de região, a única coisa que os autores mantém fixo é o período de tempo narrativo de um ano entre uma história e outra. A primeira história se passa em 1994, a segunda em 1995 e por aí vai. Fica sempre uma expectativa pra onde vai a história seguinte.

Para todas as histórias foram feitas intensas pesquisas fotográficas das regiões apresentadas, as vezes com fotos tiradas pelos autores e outras vezes mandadas pelos leitores a pedido dos autores.

O próprio escritor diz num texto ao final de um episódio que fez questão que os personagens e suas histórias (todos inventados) acontecessem sempre em lugares reais.

São histórias planejadas a principio pra serem lidas independentemente umas das outras, mas conforme o escritor esclarece num comentário ao final de uma delas, Megan foi amadurecendo e se tornando uma personagem cada vez mais tridimensional: cheia de defeitos, porém cativante e com uma história que merecia ser contada com mais detalhes.

E é bem interessante notar o amadurecimento de Megan nesses doze anos entre a primeira e a última história, tanto psicologicamente como fisicamente, e o desenhista Ryan Kelly consegue mostrar esse aspecto físico de maneira magnífica. É só comparar Megan na primeira história, com o rosto redondo e corpo cheinho de adolescente, e na última, com o rosto levemente mais comprido e corpo desenvolvido de uma mulher de 30 anos, por exemplo.

Ryan é dono de um traço realista, mas de linhas simplificadas e tem um excelente domínio de contraste entre o preto e o branco. Os rostos de seus personagens talvez destoem um pouco do seu trabalho realista em corpos e cenários, mas isso é feito com estilo e finalidade de evocar uma expressividade bem definida, facilmente identificável e muito bem-vinda. Se fosse um filme, seus personagens seriam todos atores de primeira linha.

Um excelente casamento entre texto e arte já que o argumento e o texto de Brian Wood, claro, não devem nada aos desenhos. Pra ilustrar isso (trocadilho legal) e como as histórias tratam de temas diferentes, vou tentar falar um pouco das histórias que mais gostei.

1- “Dez mil pensamentos por segundo” PORTLAND, OregonMegan tem que comprar um remédio controlado na farmácia pra seu namorado com uma receita falsificada. Lembra o filme Corra, Lola, Corra na estrutura. Com todas as possibilidades e conseqüências que uma simples ida a farmácia com um receita ilegal poderia causar. É aqui que ela começa a vaguear por cidades distantes.

2- “Namorado Polaroid” MINNEAPOLIS, MinnesotaMegan mora sozinha, mas todo dia encontra em seu apartamento uma foto nova com o rosto e um recado do misterioso rapaz que entra lá enquanto ela está no trabalho. Excelente sacada do escritor numa história tão inusitada que poderia ser verdadeira, inclusive com o final em aberto.

3- “Theories and Defenses” RICHMOND, VirgíniaO vocalista de uma famosa banda de rock, desfeita depois de 14 anos de formação, dá uma entrevista por telefone sobre o sucesso, carreira, sonhos e futuro agora que voltou pra sua cidade natal. Enquanto ele fala, são mostrados como os outros integrantes da banda estão se adaptando a essa nova (e ao mesmo tempo velha) realidade de voltar pra casa. Grande história em que poucas palavras e imagens mostram um sincero panorama do rock nos EUA. Megan só aparece numa cena pedindo um autógrafo.

4- “Dois irmãos” MISSOULA, MontanaMegan está indo visitar uma estação de esqui, mas dá uma carona errada e é feita de refém num fast-food de beira de estrada enquanto seu carona (armado) tenta fazer com que seu teimoso irmão assine um documento. Considerada a história que colocou a série no mapa dos quadrinhos americanos, ela se destaca por ser violenta, emocional e com um final trágico. Daria um ótimo filme de refém.

9- “Queria que você estivesse aqui” NORMAN, OklahomaMegan recebe a notícia da morte de sua mãe e viaja com o namorado enquanto lembra de passagens de sua vida ao lado da mãe. Primeira história da série com flashbacks em que finalmente o autor decide contar o passado de Megan e o porquê dela não morar por muito tempo em lugar nenhum.

11- “A geração mais jovem” TORONTO, Ontário - Nancy Bai é recepcionista da editora onde Megan trabalha e estudante de arte em vias de apresentar seu trabalho de conclusão de curso. Usa Megan em seu trabalho final e isso não a deixa muito feliz. Com várias passagens sem texto, é uma história em que explicações, geralmente dadas ao leitor nos pensamentos e diálogos, são substituídos pela atenção aos detalhes dos desenhos. Narrativa gráfica quase que essencialmente visual e muito competente que teve a colaboração do desenhista Ryan Kelly no roteiro.

12- “A casa que Megan construiu” VERMONT, EUAMegan volta a casa de sua infância e encara vários de seus fantasmas. Algumas pontas soltas são amarradas e a série se encerra com algumas promessas de juízo para Megan. Destaque para a conversa com o fantasma de sua mãe onde várias mágoas vem a tona.Passeando por vários gêneros, a série pode ser apreciada pelas histórias independentes uma das outras ou como um conjunto de histórias que mostram uma bela jornada de amadurecimento de personagem, mas lida de maneira episódica, ou seja, você não precisa saber como ela chegou no lugar ou porque ela está lá para apreciar a história.

Recomendado pra quem gosta de ação, comédia, romance e drama, mas com pessoas reais (que erram e acertam) e não simples personagens.

Valeu!

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Dica de filme e música: Infinito ao Meu Redor

Marisa Monte é uma cantora brasileira de talento único que dispensa apresentações.

Apreciada por 8 a cada 10 brasileiros, ela teve a idéia de lançar ao mesmo tempo dois álbuns de estúdio em 2006, seis anos depois do seu último disco solo. A maratona de shows, nacionais e internacionais, foi muito bem planejada e documentada, tanto que deu filme.

Infinito ao Meu Redor (2008) é um pretensioso documentário produzido tendo como base as filmagens feitas nos dois anos de sua última turnê, entre 2006 e 2008.

Narrado pela própria Marisa e roteirizado por ela e por Cláudio Torres (diretor de A Mulher Invisível), o filme, dirigido por Vicente Kubrusly, se apresenta logo no início como algo bem mais didático do que simplesmente divertido.

A cantora se apresenta e diz que a idéia do filme surgiu e se desenvolveu como a necessidade de mostrar o processo fonográfico desde a composição até a divulgação e apresentação das músicas pelos shows e entrevistas.

Tudo isso em cenas dos dois anos da turnê alternadas com imagens de seu início de carreira em 1988, fotos e filmagens de seu arquivo pessoal e de parte dos shows em si, claro.

Quem acompanha a indústria fonográfica e tem interesse pela cantora como eu, sabe que no lançamento simultâneo desses seus dois últimos álbuns solo: Infinito Particular e Universo ao Meu Redor, foi gerada uma polêmica em relação à pirataria.

A cantora já havia declarado várias vezes ser contra a pirataria por ser uma agressão ao artista, um desrespeito a propriedade intelectual e etc. Corretíssima.

O problema é que quando os CDs dela foram lançados no mercado, vieram com um sistema que dificultava a apreciação dos discos quando colocados num drive de computador. Um programa de computador precisava ser instalado para impedir a cópia das músicas e poderia se manter vigilante como uma espécie de vírus toda vez que você ligasse seu computador.

Não adiantou muito, visto que em apenas alguns meses já se encontrava (e ainda se encontra) cópias digitais piratas dos arquivos de suas múscias para serem baixados na internet.

Mas a grande discussão tomou a mídia fonográfica no ano de 2006 e gerou alguns processos a gravadora EMI por falta de respeito a liberdade individual do público pagante que teria direito de apreciar o produto adquirido em qualquer reprodutor de mídia disponível sem maiores responsabilidades ou consequências.

Passada a polêmica, esse documentário surge como uma espécie de explicação da cantora, mostrando toda a dificuldade e trabalho que ela, seus parceiros, produtores e equipe tiveram para levar sua obra ao alcance do grande público.

E esse excesso de didatismo do filme, apesar de chato em alguns momentos, não chega a prejudicar a apreciação do som e das viagens de Marisa e sua banda.

A montagem e o estilo explicativo do roteiro lembram de longe o premiadíssimo curta brasileiro Ilha das Flores, escrito e dirigido por Jorge Furtado em 1989, o que contribui para não tornar o filme cansativo, igualmente em função dos cortes rápidos e animações dinâmicas e inventivas.

Há também, uma tentativa de mostrar a intimidade da cantora na exposição de trechos dela lavando roupa na banheira do hotel, dormindo no ônibus da turnê e acordando com o cabelo arrepiado, mas isso fica só na tentativa já que não há uma aproximação real.

Apesar de ser feita uma boa retrospectiva da carreira, não há a mínima exposição da vida pessoal da cantora. Não é dito se ela é casada, se os pais estão vivos, quantos irmãos ou mesmo quantos filhos.

Pra se ter uma idéia, quando ela cita que teve um filho logo no início do filme, tudo o que aparece é uma foto dela ajudando a criança a andar em direção ao mar, os dois de costas para a câmera.

Nesse sentido fica bem difícil estabelecer uma identificação da cantora com o espectador, mas talvez esse não tenha sido o objetivo do filme já que o mesmo foi lançado direto em DVD e provavelmente pensado para seus fãs consumidores pagantes que a conhecem e acompanham há algum tempo.A cantora declarou inclusive, em várias entrevistas para o lançamento do DVD, que o filme foi feito para provocar uma reflexão no público expondo como o processo de revolução tecnológica está obrigando a indústria musical a repensar toda a sua produção.

Grande, importante e extremamente pertinente reflexão, mas meio decepcionante se colocada num filme feito pra fãs.

O bom mesmo é o CD bônus que acompanha o DVD, que vem com 9 músicas, sendo algumas gravações ao vivo da turnê e três músicas inéditas que fizeram grande sucesso nas rádios na época do lançamento.

Assista um trecho com a canção Não é proibido (popularmente conhecida como Melô do Diabético) aqui: http://www.youtube.com/watch?v=D05vdXdvJIk

É a confirmação que essa ótima cantora não parou de lançar discos como chegaram a alardear alguns jornais na época de sua polêmica contra a pirataria.

Recomendado!

E que venha mais Marisa Monte!

Valeu!

domingo, 12 de julho de 2009

Dica de Quadrinhos: O Chinês Americano

A sensação do ano de 2006 nos quadrinhos americanos.

Ou seria nos quadrinhos chineses?

Não importa.

O que importa é que O Chinês Americano (Cia. Das Letras, 2009) ganhou a mídia no final de 2006 por ter sido indicado a dois prêmios exclusivamente literários nos EUA.

Chegou a ganhar um deles (o menos importante, é claro), mas a indicação ao prestigiadíssimo National Book Award já serviu pra fazer o nome do sino-americano Gene Luen Yang ficar conhecido no mundo todo.

A HQ conta com três histórias paralelas que começam separadas, mas acabam se relacionando de modo inesperado e espetacular.

A primeira história é uma nova versão da fábula do Rei Macaco (que inspirou o mundialmente famoso mangá Dragon Ball, de Akira Toryama), baseada na lenda do folclore chinês em que um arrogante macaco se declara igual aos deuses após ter dominado por seu próprio esforço todas as disciplinas mágicas do kung fu e alcançado a imortalidade.

A segunda e mais realista é a história de Jin Wang, estudante de pais chineses, mas nascido e criado nos EUA, que repentinamente se muda da comunidade quase toda chinesa do bairro de Chinatown em São Francisco para uma região e escolas tradicionalmente americano, tendo que se acostumar em ser um dos únicos orientais nesse novo ambiente.

A terceira e mais boba é a história de Dani, estudante loiro americano que tem um primo chinês caipira e atrapalhado chamado Chin-Kee, que o visita todo ano e causa as mais loucas confusões. (Escrevi assim pra lembrar mesmo o estilo dos filmes bobinhos da Sessão da Tarde.)

Tudo isso contado num estilo de desenho chapado, estilizado e bem colorido como se fosse um desenho animado da TV.

Três narrativas de diferentes estilos e cargas emocionais que servem pra contar uma mesma história que fala sobre diferença, identidade, mudança, amizade e aceitação.

Temas profundos e importantíssimos, extremamente discutidos em vários ensaios e estudos acadêmicos além de artes em diversas mídias, mas colocados aqui de maneira lúdica e divertida numa história com diversas camadas de entendimento.

Você pode lê-la como uma simples fábula infanto-juvenil. Pode lê-la como uma crítica ao preconceito e aos costumes norte-americanos. E também pode apreciá-la como uma saga da eterna procura da própria identidade.

E nessas três interpretações você estará certo. Não é a toa que ganhou um prêmio de melhor LIVRO infanto-juvenil do ano de 2006 nos EUA.

E isso gerou alguma polêmica na ocasião, pois muitos autores literários clamaram não considerar quadrinhos como literatura ou nem mesmo arte.

Levantou-se novamente um grande preconceito contra os quadrinhos.

Isso em pleno século XXI, muito depois de Will Eisner criar o termo Romance Gráfico (Graphic Novel) com a HQ Um contrato com Deus em 1978.

Depois de Neil Gaiman ganhar um Fantasy World Award em 1991 pela HQ Sandman - Sonho de uma Noite de Verão.

E depois de Art Spiegelman ganhar um prêmio Pulitzer de jornalismo em 1992 pela HQ Maus a história de um sobrevivente (da qual já falei aqui).

Incrível como ainda há esse preconceito depois das HQs ultrapassarem todas essas barreiras. Mas se chegaram tão bem até aqui, com certeza vão mais adiante pra serem reconhecidas simplesmente como arte e ponto.

Há sempre é claro o problema de aspirarmos sermos mais do que somos e pra entender direito isso talvez eu deva dar uma lida novamente no Chinês Americano.

Afinal, a mulher do herbalista já dizia: “É muito fácil se tornar aquilo que se quer ser... desde que você esteja disposto a abrir mão de sua alma.”Profundo, muito profundo. E também sinistro, muito sinistro.

Uma ótima aposta da editora Cia. das Letras que com seu novo selo Quadrinhos na Cia. Já começou 2009 dando o que falar.

Valeu!

sábado, 11 de julho de 2009

Dica de Quadrinhos: Flores Manchadas de Sangue

Essa vai pra quem acha que quadrinhos brasileiros é apenas Turma da Mônica.

Morto em novembro de 2008, Cláudio Seto foi um grande artista plástico e autor extremamente respeitado nos quadrinhos nacionais.

Nascido em 1944 em Guaiçara, São Paulo e tendo passado boa parte de sua infância e adolescência no Japão, foi um dos pioneiros em divulgar a cultura japonesa aos brasileiros.

Em meados dos anos 60, mais de 30 anos antes da febre do mangá (quadrinho japonês) estourar nas bancas do Brasil, Seto já produzia quadrinhos de samurais por aqui.

O álbum Flores Manchadas de Sangue da parceria de editoras Devir/Jacarandá, lançado agora em Março de 2009, foi a última obra em quadrinhos planejada com o aval de Seto.

São histórias trágicas e sangrentas passadas no período culturalmente mais rico da história do Japão, a era dos samurais, que vai do início do século XVI ao fim do século XIX.

Digo rico culturalmente, pois de um ponto de vista econômico e social foi um período bastante injusto e cruel, onde um homem que passasse de 30 anos era considerado velho e só estaria vivo se fosse rico ou muito habilidoso. A taxa de mortalidade era muito alta e a riqueza se concentrava nas mãos de muitos poucos. Quem viveu nesse período ou era rico ou miserável.

Pode-se comparar esse período, a grosso modo, com o desbravamento do Oeste americano (imortalizado nos filmes de cowboy) ou mesmo ao auge da época dos coronéis e cangaceiros aqui no nordeste brasileiro.

Bom, toda essa introdução foi feita com o intuito de situar os temas das histórias passadas num período trágico, porém romântico, do Japão. Temas que já há algum tempo me são muito queridos.

Cláudio Seto escolheu pessoalmente e escreveu textos introdutórios para todas as cinco histórias da edição. Todas elas produzidas por ele, com a ajuda de parentes e amigos, e que já tinham sido publicadas pela antiga editora Edrel entre os anos 60 e 70, na extinta revista O Samurai. Revista que, hoje em dia, pode ser considerada um marco MUNDIAL na publicação de gekigás (mangás adultos).

Nos textos introdutórios, Seto explica sua intenção com cada história dando uma breve aula sobre filosofia ao atribuir cada história a um dos elementos que governam a natureza, segundo o zen-budismo: Metal, Água, Madeira, Fogo e Terra.

De acordo com Seto, cada espada samurai é forjada seguindo um antigo ritual religioso que tem a intenção de fazê-la ganhar alma ao absorver um dos espíritos dos cinco elementos do zen.

Só essa aula de filosofia já valeria a compra do álbum, mas a edição ainda contém textos introdutórios de três profissionais do ramo: o jornalista e escritor Gonçalo Junior, o editor Antonio Mendes e o editor, quadrinista e ilustrador Franco de Rosa.

E também tem as histórias, é claro.

O Sósia e O Monge Maldito abrem a edição e foram inspiradas em fatos reais, sendo que O Sósia tem como base a mesma passagem histórica que inspirou Akira Kurosawa a fazer o filme Kagemusha- A sombra do samurai em 1980.

As duas histórias seguintes, A Flor Maldita e Idealismo Frustrado, são baseadas em lendas japonesas e experiências do próprio Seto.

Idealismo Frustrado, por exemplo, é colocada por ele como uma forma de expressar sua decepção com o exército revolucionário de Lamarca que, de forma frustrante para Seto, combatia a violência da ditadura militar brasileira apenas com mais violência.

A história que dá o nome e fecha o álbum, Flores Manchadas de Sangue, é a melhor de todas. Seu lirismo consegue se igualar as melhores histórias do japonês Kazuo Koike, autor de Samurai Executor (que já comentei aqui) e Lobo Solitário (o mais famoso gekigá do mundo).

Falando nisso, essa é uma polêmica que foi circulou um tempo atrás, diziam que Seto teria plagiado as idéias de Koike ao escrever suas próprias histórias de samurai. Essa polêmica está mais do que equivocada ao se observar que Cláudio Seto começou a publicar suas histórias por aqui pelo menos dois anos antes de Koike começar a ser publicado no Japão.

Mas não se pode negar as similaridades entre os estilos. Pra mim, isso se deve unicamente à formação dos autores, já que Seto viveu e estudou grande parte de sua adolescência no Japão, provavelmente na mesma época em que Kazuo Koike estudava.

O traço de Seto é um show à parte. Dono de um estilo realista advindo dos quadrinhos de terror, ele ainda consegue mesclá-lo ao estilo mangá dando algum destaque a olhos expressivos e rostos angulosos num carregado contraste entre branco e preto-nanquim. Segundo o próprio autor, foi nas histórias de samurai que ele chegou num “traço forte e quebradiço” próprio pra esse tipo de história.

Traço que não fica nada a dever ao traço de Goseki Kojima, o desenhista parceiro de Kazuo Koike nas histórias do Lobo Solitário e do Samurai Executor.

Uma passagem da última história mostra bem isso ao ilustrar um momento de batalha pela perspectiva psicológica de um dos personagens, que não se importa com o rosto de quem mata, enxergando apenas um contorno preto cheio farpas no lugar da cabeça do adversário. Muito legal.

Cláudio Seto foi um autor de quadrinhos brasileiro numa época em que não dava pra viver de só de quadrinhos. Como muitos autores da época, o Samurai de Curitiba (onde morou por 30 anos) fazia um pouquinho de cada coisa no meio artístico e jornalístico pra se sustentar, mas acabava sempre voltando aos quadrinhos.

Ele fez parte de uma geração que só pode ser definida como “quadrinistas de guerilha”, que passaram pela ditadura tendo que se sustentar e dar continuidade a arte obrigados a produzir revistas eróticas e de terror, pois estas não eram consideradas “perigosas” pela rígida censura brasileira da época.

Não chegou a ver essa ótima edição publicada, mas participou ativamente de sua produção e faleceu após um AVC, poucos meses depois de ser homenageado pelo troféu HQMix, que premiou os melhores quadrinhos publicados no Brasil no ano de 2008.

E essa belíssima edição tem grandes chances de ser indicada e vencer o mesmo prêmio agora em 2009.

Bom saber que, aos poucos, os grandes quadrinistas brasileiros vão tendo reconhecimento ao mesmo tempo em que são apresentados a um novo público.

Fica dada a dica pra você não deixar de conhecer esta obra e prestigiar a (boa) arte nacional.

Valeu!

terça-feira, 7 de julho de 2009

Blog coletivo: Entrada Franca

Olá a todos!

Meu curso de crítica de cinema feito na última semana de maio está dando resultados.

Acabo de me registrar no blog de alunos do curso filiado ao site CinemaemCena.

O nome do blog é EntradaFranca e foi criado pelo editor do Cinema em Cena, Pablo Villaça, para acompanhar de perto a evolução de seus alunos no quesito crítica de cinema.

Logicamente, também é um lugar para divulgar meus textos e, quem sabe, fazer novas parcerias.

Não deixarei de publicar aqui, mas agora terei um espaço com um número (espero) maior de leitores para falar de filmes que vi.

Indicado para quem quer ler críticas de todo tipo de filmes, desde antigos ou atuais, passando por aqueles recentes, mas que já não estão mais em cartaz.

A equipe é grande, eclética, diversificada em sotaques, mas muito bem-intencionada.

Acesse e colabore com a gente: http://www.cinemaemcena.com.br/EntradaFranca/

Valeu!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Dica de Filme: Entre Lençóis

Um filme que poderia ser tocante. Um filme que poderia ser empolgante. Um filme que poderia mexer com desejos secretos do espectador. O problema do filme é que fica só no poderia.

Entre Lençóis é uma produção brasileira de 2008 dirigida pelo chileno Gustavo Nieto Roa e roteirizada pelo brasileiro René Belmonte.

É a história de um jovem casal que se conhece numa boate e, quase sem trocar nenhuma palavra, rumam direto pro motel. Depois da primeira transa a mulher se levanta para ir embora, mas o homem a convence a ficar mais um pouco, afinal já tinha pago pela noite.

É aí que se desenrola uma seqüência de mentiras, verdades, jogos de sedução, confissões, sexo e declarações de amor precipitadas que quase soam reais.

Digo quase porque, apesar de bem-intencionados nenhum dos dois atores consegue passar muito bem a naturalidade necessária pro texto.

Reinaldo Gianechinni é Roberto e dá pra perceber que ele até se esforça pra convencer no papel, mas seu problema é o mesmo dos galãs atuais: parece ter apenas duas ou três expressões faciais disponíveis. Chega a convencer nas cenas mais descontraídas, e demonstra ter ficado bastante a vontade sem roupa, mas nas cenas sérias ainda precisa de muito trabalho. Ele as vezes parece que faz muita força pra falar.

Paola de Oliveira é Paula e sua atuação é apenas um pouco melhor do que a do parceiro de cena. Se saí bem nas cenas mais sérias e convence bastante no jogo de olhares sedutores, mas por vezes dá a impressão de estar recitando partes do diálogo. Ao contrário de Gianechinni, parece que a atuação dela é prejudicada justamente pelo fato de estar sem roupa.

Isso demonstra talvez a falta de esmero do diretor em tentar criar um ambiente seguro e confortável pros atores no set..

Com 95% do filme se passando dentro do quarto de hotel, o diretor e sua equipe parecem ter se esforçado mais em buscar maneiras de deixar o espaço menos chato e repetitivo, o que sem dúvida conseguiram, mas erraram um pouco com os atores. Uma preparação e confiança maior seriam necessárias.

Sem falar na trilha sonora que parece completamente equivocada e desencontrada em alguns momentos.

Em relação ao roteiro posso dizer que tem uma boa estrutura, mas poderia ter diálogos melhores e não faria mal nenhum se duas ou três cenas fossem descartadas. O roteiro poderia explorar melhor o motel sem precisar da cena inicial na boate ou da cena final no carro.

O casal tem uma beleza sem dúvida indiscutível e isso é extremamente explorado pelo diretor, tanto pelos closes faciais quanto em detalhes da anatomia do dois.

O problema é que a medida que o filme avança pro final, enquanto a roteiro “deveria” ganhar uma carga emocional maior, o diretor ainda parece mais preocupado em mostrar o tanquinho (Argh!) do Gianechinni ou a bunda (linda) e o peitinho (maravilhoso) da Paola do que qualquer outra coisa.

Parece mesmo uma espécie de mea culpa da câmera. Como se o diretor te dissesse “já que não consegui te emocionar, vou tentar ao menos te excitar de novo”.E a história tinha um ótimo apelo. Afinal, quem nunca fantasiou passar uma noite de amor com um completo estranho? Alguém com quem você pudesse se abrir e ser extremamente sincero como se não houvesse amanhã, já que não o veria mais depois do dia seguinte.

Como falei no início, é uma produção que poderia dar muito certo, mas que no fim demonstra claramente como o brasileiro ainda engatinha no quesito cinema.

O filme passa a impressão de ter sido idealizado, produzido e filmado em pouquíssimo tempo, não merecendo ares cinematográficos. Encaixaria muito melhor num formato televisivo. Talvez num Caso Especial ou numa dessas novelas da vida mesmo.

Em resumo é uma história de amor e erotismo de uma noite, que não chega a funcionar muito bem nem no quesito amor e nem no quesito erotismo.

Mas pra não dar a impressão que teve nada de bom, não posso deixar de citar novamente a beleza dos atores, em especial da Paola, que conseguiu me fazer sorrir várias vezes junto com ela. Que coisinha linda! Aaaahh...

(Deixo o
Gianechinni pra quem gosta).

Há também boas cenas de nudez, é claro. Mas nisso o cinema brasileiro já é fera.

Valeu!
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
 
Tweet